Publicitários, não gostamos de críticas. Enquanto escritores engolem sapos sobre seus livros, tais como compositores sobre suas músicas e cineastas sobre seus filmes, nos julgamos incriticáveis. Ao primeiro comentário, nós rosnamos: “inveja”, “maledicência de concorrentes”… No entanto, erramos muito. Alguns por ser medíocres, outros por ser inexperientes e, ainda, inúmeras vezes, induzidos ao erro por clientes ou superiores. Por mais que nos finjamos de mortos, a passagem de ano foi marcada por uma campanha polêmica. Não por seu atrevimento, mas por seu equívoco. A campanha do Ministério dos Transportes, alertando sobre os riscos de usar o celular enquanto se dirige.

Quem errou? Principalmente, a capacidade de convencimento de quem vendeu a campanha e a incapacidade de contestação de quem aprovou a ideia. Isso em todas as instâncias. Mas a ideia é ruim? Não. A ideia é boa. A realização é que foi equivocada. Faltou alguém, além de talentoso como o profissional ou a equipe que concebeu o conceito criativo, que tivesse experiência para colocar o esqueleto em pé. Eu chamo de experiente alguém que já errou muito, mas que aprendeu com isso.

O mercado está tomado por criativos jovens brilhantes, mas com pouca experiência pessoal. O que é muito mais grave do que inexperiência profissional. Se antes um bom criativo era caracterizado por sua cultura geral ou, simplificando, por saber “um pouco de tudo”, seja o estudado, seja o vivenciado, hoje a criação tende a ser um gueto com referências próprias, cada vez mais exclusivas. Perigoso: um criativo para ser eficaz não pode perder a perspectiva das pessoas “comuns”.

Aprendi com o Washington, o cara que virou emblema de toda uma geração de publicitários, que anúncio não é para ser decifrado, por mais genial que você se ache ao criá-lo. E aprendi também com ele que direção de arte não foi inventada para esconder o conceito. Quando a peça da campanha afirma “Quem resgata animais na rua pode matar”, teria de explicar imediatamente do que se trata. Na primeira vez em que passei de carro por um ponto de ônibus (portanto, motorista, eu era target) e li o título, pensei: deve ser uma campanha sobre a necessidade de vacinar o bicho ou estudar o que ele pode ou não pode comer… Viajei? Sim, e todos nós, mortais, em todas as direções.

Outra coisa: o risco de matar e de morrer é igual num acidente causado pelo uso do celular ao volante. A relevância que foi dada ao “matar” tira o foco da ideia de “irresponsabilidade” e induz à ideia de “assassinato”. E só foi assumida para fechar o contraponto com o “gente boa”: gente boa x assassino. Mas o esqueleto ficou capenga.

Enfim, uma excelente campanha para ser estudada nas escolas de propaganda. Tem todos os elementos para fazê-la criativa, mas foi executada com equívocos de vocabulário e, esteticamente, na distribuição dos pesos das imagens e dos textos. Se eu fosse professor, passaria esse job para a minha turma recriar a campanha, usando a mesma ideia básica. Não na expectativa de que saia uma campanha melhor. Mas de que tenhamos uma bela oportunidade para discutir onde erramos. É assim que se aprende.

Afinal, gente precisando de emprego ou de verba para elogiar o que fazemos é o que não falta.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing