Dos três sócios da Contemporânea, Armando Strozenberg foi o único convidado a se transferir, em 1998, para o board do grupo Havas, comprador do seu controle, como Chairman Brasil. Ele aceitou sob uma condição: as renovações de contrato seriam sempre anuais. Assim preservava sua natureza inquieta, que o levou da Engenharia para o Direito, e depois para o Jornalismo – que interrompeu com entusiasmo para aceitar uma pós-graduação oferecida pela Faculdade de Ciências Políticas da Sorbonne, em Paris – e depois para a Propaganda, onde o espaço para criar a certa altura lhe pareceu mais atraente, em tempos de ditadura militar. A seguir, Strozenberg, que deixou sua posição no Grupo Havas, faz um balanço da sua carreira e fala de projetos futuros, como a consultoria STRO. 

Índice de Felicidade

“Durante os quase 40 anos como publicitário fiz quase tudo que se pode fazer no – e pelo – ofício, e todos os dias a perspectiva de ir adiante, ou não, foi pesada numa espécie de balança inventada para medir meus felicikilos (talvez uma extensão do IFeCI – Índice de Felicidade Coletiva Interna – que criara na Contemporânea, desde o seu início, em 1983).  Em final de julho, durante viagem comemorativa de 50 anos de casado com Ilana – uma companheira incomparável, bela Doutora em Antropologia, uma das mais respeitadas professoras da Escola de Comunicação da UFRJ – fui à balança. E percebi que o meu amor pelo dia a dia de agências de propaganda havia baixado a níveis baixíssimos de felicikilos. Corria o risco de se tornar um amor bruxo. Após uma profunda, mas elegante DR  (discussão de relacionamento) com a cúpula do grupo Havas, em São Paulo e Paris, formalizamos a minha saída para o início de setembro. Com a porta aberta para outros tipos de relacionamento no futuro, conforme acerto com o CEO mundial da empresa, Yannick Bolloré.”

 O período Havas

“Meus 10 anos a bordo do grupo Havas refletem as suas próprias transformações aqui e no mundo. Primeiro, a fase de chegada deles ao Brasil como EuroRSCG, periodo em que se formou a joint-venture com a Contemporânea e a consequente chegada do grupo Havas ao Rio incorporando todos os profissionais e clientes do então um das principais players do mercado carioca e nacional. Segundo, como Havas Worldwide, quando se efetiva a aquisição da agência Z+ e a formação de novas empresas especializadas (digital, health, social, data).  É neste momento que me transfiro de Chairman da Havas (agência) para a Z+ e, no exterior, criam-se duas subholdings: o Havas Creative Groupe e o Havas Media Groupe; a Z+ fica sob a HMG. E, terceiro, o HCG traz a BETC ao Brasil e tempos depois funde as suas operações com a Havas (agência).  No exterior, o Havas é absorvido pelo grupo Vivendi, cujo controle também é exercido pela família Bolloré. Para o meu orgulho, embora 99,9% dos méritos sejam da equipe liderada pelo CEO Douglas Patrício, a Z+ neste periodo se transforma numa das dez maiores agências do país. E, dependendo da performance da economia do país, que muito afetou o seu crescimento este ano, tem o ferramental para a voltar a crescer tanto em São Paulo, como no Rio, a partir de 2019.”

Do analógico ao digital

“Em termos analógicos, eu me considero um profissional de comunicação privilegiado. De fato, eu vivi (e ainda vivo um pouco do que resta) dos ‘anos de ouro’ tanto das redações jornalísticas, como das agências de publicidade. A tecnologia estava praticamente dominada, e dela nós não tínhamos medo algum. Ao contrário. Era só criar e veicular pelos meios que todos acessavam. O que gerava uma sensação prazerosa, triunfante, até orgástica muitas vezes. Do analógico para o digital, estamos bem no centro de um rito de passagem. Inacreditável, em especial  para os nostálgicos mal resolvidos. E ainda cinza, para os recém-chegados. Acrescentando-se a isso a crise no modelo de negócios, as transformações nas relações agências-clientes, PIB decadente e as consequências da disrupção civilizatória nas relações de consumo, resta ainda olhar atentos ao que a era digital vai trazer como desafios. Rito em tempestade quase perfeita.”

 A Contemporânea

 “Visto sob o ângulo de hoje, a Contemporânea foi um extraordinário sucesso por um conjunto de fatos e circunstâncias. Maior parte dos seus 25 anos com altíssimo  IFeCI; uma  certa dose de irresponsabilidade diante de clientes na defesa do que se considerava a melhor grande ideia; compromisso com o novo mas sem esquecer o passado e olhar o futuro; culto ao fato de que são fundamentalmente pessoas especiais trabalhando junto que fazem uma agência de publicidade ser especial; paixão pelo Rio; prazer compartilhado do elogio pelo nível de trabalho recém-lançado ou por resultado expressivo alcançado; e a coragem de dizer ‘não’.”

A venda

“O ciclo de vida original da Contemporânea já havia, na prática, terminado quando seu controle foi vendido pela primeira vez em 1999 ao grupo Interpublic. São desta época, por exemplo, a forçada mudança de sua sede, da deslumbrante e emblemática mansão do Século XIX no Cosme Velho, para o andar inteiro de um edifício moderno na Praia do Flamengo na zona sul do Rio, e o fechamento da filial São Paulo, próximo ao Morumbi Shopping, aos quais me opús. Em 2008, com a crise financeira que abalou os Estados Unidos, o Interpublic nos procurou com proposta para recomprar as ações por preço irrisório. Topamos. Mas eu já tinha a firme intenção de revendê-las na primeira oportunidade, mesmo sem qualquer ambição de lucro. Eram tempos de felicikilos baixos… Foi quando, poucos meses depois, a empresa de Luiz Salles nos apresentou um  candidato a noivo – a EuroRSCG, do grupo Havas.”

Grupo Havas

“Por seu porte, até o início deste ano o Havas corria sérios riscos de ser absorvido por um dos quatro ou cinco grupos de agências que lhe precedem no ranking. Ou por uma das consultorias internacionais que se tornam players cada vez mais atuantes no mercado de comunicação de marketing. A família Bolloré, que já vinha atuando há algum tempo consolidando no grupo Vivendi, por ele controlado, participações em empresas de entretenimento e comunicação como a NBC Universal Music, Canal+, Game Loft,  AOL, Mediaset, Telecom Italia, EMI, POP, entre outras, decide comprar o Havas para debaixo do seu guarda-chuva; tornando-o muito menos vulnerável a compras hostis de concorrentes. E tentando se diferenciar na medida em que oferece esta horizontalidade de produtos e serviços de sua propriedade aos seus prospects mundiais. Sob a liderança de Yannick Bolloré, hoje considerado provável successor do pai Vincent no Grupo Vivendi, o Havas prossegue na sua linha de aquisições de empresas de nicho em mercados consolidados,  buscando integrar as muitas operações alinhadas do grupo sob o tema “Together” que marca a sua gestão há alguns anos. A pergunta é: qual é a identidade que o grupo busca para si mesmo na area de comunicação de marketing, em especial a partir da sua integração ao Vivendi.”

 Grandes Grupos

“Aos grandes grupos de comunicação restam todas as alternativas. Parafraseando um comentarista, afinal, eles também estão em pleno rito procurando a passagem entre cada vez menos Gutemberg e mais Zuckerberg. Por estarem procurando um novo glossário, numa era de nenhuma certeza, ‘erros’ e ‘acertos’ não são mais vocábulos aplicáveis para o que vão cometer.  

Confesso que quando ficamos concentrados nos nossos problemas internos, como estou hoje, pela caótica situação brasileira, perdemos nossa capacidade de elaboração internacional. Mas a julgar pela última conversa que pude ter com Sir Martin Sorrell, a evidente perplexidade dele diante de umas cinco ou seis perguntas que lhe fiz sobre a próxima década me pasmaram…”

 A grande ideia

“Eu sou daqueles que muito raramente usou na vida a expressão ‘Tenho certeza’. Mas diante desta pergunta, não hesito: tenho certeza de que a grande ideia é e será sempre uma grande ideia. Capaz de transformar corações, humores, atitudes, olhares, etc. Pergunta lá na presidência da Petróleo Ipiranga S.A. o que acham da campanha “Pergunta lá no Posto Ipiranga”. Pergunta lá no partido Patriota, do distópico Cabo Daciolo o que acham daquela ideia do Dossiê Ursal, que o levou a ter mais votos que o Henrique Meirelles mesmo depois dos seus R$ 53 milhões investidos e não sei quantos minutos de TV.  Grandes ideias acima de tudo. Criatividade acima de todos.”

 Planos

 “Meu plano é criar a STRO, uma consultoria para oferecer inteligência em comunicação de causas, projetos, serviços e produtos únicos. Dedicar mais tempo aos seguintes Conselhos nos quais tenho assento no Rio, São Paulo e Nova York: Conar, ESPM, Brazil Foundation, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Casa do Saber, Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, OInstituto Contemporâneo de Projetos e Pesquisa, Museus Castro Maya, CPA da Escola de Direito da FGV, Paço Imperial.  Continuar a missão de presidir a 3ª Câmara de Ética do CONAR,  para a qual acabo de ser reconduzido.”

 O Brasil tem jeito?

“Antes de ter jeito, procurar responder a estas primeiras perguntas: Sairemos do psicodrama nacional? Votamos por pavor? A onda conservadora veio para ficar? O Brasil profundo mostrou a sua cara? Muitos deploraram o resultado da eleição porque Narciso acha feio o que não é espelho? Quem deveria estar com medo não é ‘ele’? Para nós, publicitários: sem um bom discurso a apresentar, o tempo da TV é inócuo (com Alckmin não rolou, mas com Haddad a rápida transferência de votos rolou)?. E o WhatsApp: a ascedência do compartilhar? A decadência da verdade? A velocidade e o alcance das fake? O Brasil tem jeito, sim. Pelo menos este Brasil dilacerado, tem. Desde que ele encontre as pessoas certas para ocupar os cargos oferecidos neste anúncio que vi ontem (e invejei o anônimo que o criou…).

ANÚNCIO

Procura-se:
Um ELETRICISTA para restabelecer a corrente entre as pessoas
Um OFTAMOLOGISTA para transformar o seu olhar
Um ARTISTA para desenhar um sorriso em todos os seus rostos
Um OPERÁRIO para construir a paz
Um JARDINEIRO para plantar, cultivar e regar o conhecimento
E um PROFESSOR DE MATEMÁTICA para nos reensinar a contar uns para os outros.”