LeoPatrizi/iStock

A coisa que mais me inspira é andar pela cidade. Andar e ler. Fazer os dois ao mesmo tempo costuma ser complicado. É a fusão que vou tentar por aqui. Tenho sido leitor compulsivo desde Tintim, Asterix e Tio Patinhas. Que na adolescência se seguiram a Stevenson e Julio Verne. A Kafka, Calvino, Garcia Marques e Borges. Li tudo deles e aí queria escrever contos fantásticos e me transformar em barata (cheguei a escrever um esboço de personagem que se transforma em empregada doméstica e acorda no quarto dos fundos de um apartamento em Moema). Li tudo de Paul Auster e Orwell; Philip Roth e Camus; e Kurt Vonnegut.

Queria ser como eles. Queria o humor, o pós-modernismo, o sarcasmo, a distopia, queria escrever sobre o bombardeio de Dresden, sobre a morte da minha mãe (sem matá-la, sem matá-la), queria ser um existencialista.

Tive a fase dos modernos ingleses: Amis, Barnes e McEwan. Não-ficção foi o próximo passo. Comecei com Christopher Hitchens, o quase-inglês Bill Bryson e o superinglês Geoff Dyer (recomendo muito). Cronistas de escrita fácil e apurada (le mot juste) me levaram a outros escritores de não-ficção, quase sempre relacionados ao ato de andar pela cidade. Comecei a absorver os clássicos de urbanismo e não tem mais clássico que Morte e Vida das Grandes Cidades, de Jane Jacobs. Nos anos 1960, Jacobs comprou briga com Robert Moses, o capitalista que queria uma via expressa elevada atravessando Greenwich Village. Em termos locais, é como se uma dona de casa, mãe de dois filhos pequenos, tivesse disputado (e ganhado) com um jovem Paulo Maluf dos anos 1970, o aparecimento do Elevado Costa e Silva, sobre a Avenida São João.

A grande estrela do urbanismo defendido por Jane Jacobs é a calçada, é o palco do balé, um ato que começa com entregadores de jornal e de pão, que saem de cena e dão lugar aos trabalhadores, que deixam suas casas e caminham até o ponto de ônibus até que crianças de mochilas nas costas saem em direção da escola com cara de sono. Velhos, mendigos, motoboys, entregadores de flores, açougueiros e instaladores de TV a cabo completam a coreografia.

Andar e ler. Essa dupla me fez amar o urbanismo, as teorias sobre o surgimento das cidades e o que as torna lugares tão inspiradores, de uma energia tremenda. Tentar entender essa monstruosidade urbana me inspira a andar por todos os cantos em busca de encantos e de soluções para lugares sem encanto algum. Digo monstruosidade porque sou filho de São Paulo e admiro todos os seus tentáculos e por mais que ande, ande e ande, e nunca encontre Ipanema (como diria Vinicius de Morais), continuo andando e pensando. Tenho certeza de que o paulistano bípede é mais feliz que o paulistano de quatro rodas.

Divulgação

A falta de unidade arquitetônica estimula o cérebro a encontrar padrões. Cidade-caos. Os prédios fora do prumo são como uma escrivaninha desorganizada cheia de ideias rabiscadas, umas melhores que as outras. “The chaos in your soul will give birth to a dancing star”. Recomendo Walkable City, de Jeff Speck, e This is Where You Belong, da Melody Warnick, e Street Fight, de Janette Sadik-Khan. Warnick me introduziu ao placemaking, o conceito de transformar a cidade em produto consumível e assim atrair famílias, profissionais de ponta, novos negócios e empreendimentos turísticos. Outro clássico é o do iluminado Rem Koolhaas: Delirious New York. E caso este texto se torne a faísca que originou o incêndio, recomendo entrar no Coursera e escolher algum curso sobre o tema. Tenho me divertido (de graça) com Cities are back in Town, do professor Patrick Le Galès, da Sorbonne. É isso. Vou andando.

James Scavone é CCO da Salve Tribal Worldwide