Criar é arte do medo. 

Dos medos que não impedem: impelem. Como o medo gostoso da primeira cambalhota. O medo de tirar as rodinhas da bicicleta. Tirar as mãos do guidom. Furar a primeira onda. Partir pra cima do marcador. Driblar. Pegar a bola na hora do pênalti e dizer: deixa que eu bato. Como o medo do primeiro beijo. Do pedido pra namorar. De ir morar sozinho. De pedir em casamento. Da hora do parto. Do primeiro emprego. De dizer não pro patrão. Da primeira viagem de avião. Do papel em branco. O medo é combustível que motiva, embriaga, compensa, orgulha. “Medojanelaaberta”. “Medoasa”. “Medocoragem”. “Medomertiolate”, que arde, mas cura.

Criar é não trocar a insegurança do friozinho na barriga pelo conforto do cobertor que insiste em dizer que já tá bom. É se expor o tempo todo com a cara amassada de quem acabou de acordar. É aprender sem parar o que é impossível ensinar. É descobrir arquivos internos deliciosamente bagunçados pela alma adentro. É ir lá dentro buscar desesperadamente seguro o que você nem sabe se existe. É perguntar pra você mesmo, mesmo sabendo que quem vai responder são os outros. É não fugir da briga com um cara mais forte. É cavalgar a pelo. É o tesão mais gostoso que o orgasmo.

E como falar de criação sem falar do Rio? O Criador tava muito inspirado quando criou esse lugar mágico e encheu de gente que vive tirando coelho da cartola.

Porque criar é isso. Tirar coelhos da cartola, abrir a gaiola da cartola e deixar pombas brancas saírem voando pelo picadeiro. Transformar um lenço em dezenas de lenços emendados e vender quando os outros apenas choram. Ser mágico, palhaço e trapezista sem rede, tudo ao mesmo tempo. Carioca tem a criação no DNA. Tem criatividade no sangue e quando chuta pega na veia.

Tem a alma e a cara lavada de tanto mar ao redor. É sem-vergonha. E criar é não ter vergonha nunca. Carioca consegue até não ter vergonha do Rio estar assim como está. Porque ama loucamente esse lugar. E o amor é cego. O carioca, teimosamente, acha que o Rio é o melhor lugar do planeta e se orgulha disso e ponto. Aliás, ponto e vírgula. Porque a gente sabe que essa história não acabou. O job não está pronto. Ainda tem muito papel pra amassar e jogar no lixo, ainda tem muita coisa pra fazer pela frente para o Rio jamais deixar de ser essa fonte inspiradora de ser feliz. E se não tiver como, a gente dá um jeito, se vira. Cria.

Criar pra mim é tudo isso. Criar pra mim é tudo. Isso. O tempo passou, lá se vão 35 anos de propaganda e a cada novo job me sinto como aquele garoto entrando na agência pro primeiro estágio, esbanjando sonhos e medos.

E cada vez tenho mais prazer, vontade, necessidade dessa adrenalina que é vencer o medo do desafio do papel em branco. Ver uma ideia nascer, ganhar forma, ganhar vida, encantar, seduzir.
Na verdade, pensando bem, não me inspiro pra criar. Crio pra me inspirar.

Sérgio de Paula é presidente e diretor-geral de criação da Nave Comunicação

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