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Em 2006, volto ao Recife. Visito o Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco. Subindo as escadarias, que levam para o primeiro andar, fui transportado aos meus cinco anos, quando andava por aquela imensa construção, levado por meu pai, sem noção dos seus significados simbólicos. Este momento me proporcionou a criação do projeto A Aldeia que tudo me guarda… ninguém se perde no caminho da volta. E veio a ideia de dividir minhas lembranças em salas, como se fossem compartimentos, em que guardo e descrevo imagens e sensações.

Este trabalho é uma proposta de ocupação em múltiplos espaços interassociados, demarcados como “Aldeias Hexagonais”, resultando em formação de rede, enquanto ritos memorialísticos e multiplicações de fazeres e reflexões compartilhadas no espaço central de convívio, o espaço do sempre retorno, “ninguém se perde no caminho da volta, porque voltar é uma forma de renascer”, conforme disse José Américo de Almeida.

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Sala I – Enquanto as baronesas tingem de verde o Capibaribe: De um lado, a ilha de Joaneiro; de outro os rios Capibaribe e o Beberibe encontram-se atrás do Campo das Princesas para encontrarem-se com o Oceano Atlântico, onde baronesas surgem transformadas, anunciando as cheias, como trágicas e sorridentes ninfeias monetianas.

Sala II – Nas águas dos cursos; Aldeões: Meu pai, Domingos, veio de Palmares (não a alagoana de Zumbi, mas a de Pernambuco) com sua tradição canavieira, senhor de engenho, açúcar doce, acre. Vindo para Recife, foi para a Polícia Militar, destacado para complementar a segurança da guarda do governador – homem forte, ministro, interventor, deputado, líder populista, Agamenon Magalhães, nascido para mandar.

No interior da casa do coronel, o governador hospedado estava à noite deitado em uma rede. E então, tentam matá-lo, matador mandado. A segurança oficial falhou. Quem ajudou foi o garoto guenzo, magro, corajoso, que salvou a vida do homem Magalhães. O govenador pensou, imaginou, cismou e levou o garoto para o Palácio dos Campos das Princesas: era o seu mais novo lugar-tenente.

Sala III – Mensagens para Gaia: Quando nasci fazia uma noite de “verão Januário”, dos fins da década de 1940. Filho três. Nem por isso diferenciado. Primeiro a nascer em maternidade. No Derby, maternidade da Polícia Militar de Pernambuco. Cacilda, minha mãe, era professora recém-formada. No bairro de Santo Amaro, próximo ao centro de Recife e perto do cemitério, cresci, sem muitos contatos com os vizinhos. A educação era dirigida tal qual…

Sala IV – Em tempos januários: Em cartografias imaginadas, criadas encontro-me em um caminho, um dia em jornadas solitárias, louvando dores e alegrias, florindo pomares de caju, jacas, pitangas, doces, acres, o pé de trapiá, mangabas, araçás, goiabas, perfume de jaca, de manga, pitomba mucosa, ingá de musgo fresco, frutas múltiplas, simples.

Sala V – Nos caminhos de Naiá: Por baixo das águas volucres, seus negros cabelos prateados flutuam em ruínas de castelos impérvios. Sob colares verdejantes seus encantamentos de estrela d’água, de estrela dos sonhos. Navega nele, ainda, para aqueles que veem em tudo o que lá não está. O mar jaz, águas franzem Netuno. Ecoa Saturno.

Sala VI – Águas julianas renovando destinos: Verdejantes caudalosas enredando liberdade e vitalidade, aquárias mensageiras onde na sina nomandista nordestina a fascinação pelos deslocamentos. Entre capibaribes, beberibes, tietês, pinheiros, tamanduateís e córregos sepultados, a renovação. A Pauliceia adotada. Em águas lodosas amarelidas lavam meu coração esperançoso reflexo; narciso inconsciente.

Cildo Oliveira é artista plástico e curador do Prêmio Brasil Fotografia