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Há poucos anos, havia uma distância entre a TV aberta e o conteúdo que impactava milhões de pessoas através de canais da internet como YouTube, Instagram, Facebook e Twitter. Cada uma à sua maneira, as principais emissoras do país se estruturaram e conduziram projetos internos multiplataforma para se adaptar e resgatar um público que estava propenso a desligar a TV e acompanhar atrações acessíveis a poucos cliques de distância. 

Essas iniciativas de aproximação ao mundo online resultaram, hoje, em impactos positivos na qualificação e adequação das atrações, na audiência e até nos resultados comerciais das emissoras. Diversos exemplos relatados pelas grandes empresas da TV aberta mostram que, de tempos para cá, a relação com as redes sociais se transformou, possibilitando que o monitoramento das conversas, memes e assuntos quentes passasse a alimentar desde a programação a suas estratégias de negócios.

“A conversa sempre fez parte do nosso relacionamento com o público, muito antes da chegada das redes sociais. Elas vieram para incrementar ainda mais isso, ampliando as possibilidades e nos aproximando mais de nossos fãs. Essa escuta e essa troca são parte de um processo de constante aprendizado”, afirma Sergio Valente, diretor de comunicação da Rede Globo. “Nossas estratégias de relacionamento com o público, independentemente da plataforma, partem da conexão com as pessoas, de como fazemos ou podemos fazer parte das suas vidas, das suas histórias e das suas conversas. Precisamos estar sempre atentos e acompanhar o movimento da sociedade, estar em sintonia com ela. Pautamos todo esse trabalho também na nossa programação, no que está no ar”, explica.

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A equipe de comunicação da Globo tem um time dedicado ao relacionamento com os meios digitais, através dos perfis oficiais e dos produtos e portais. “Mais que identificar o que está movimentando as redes sociais, o que diferencia nosso trabalho é a maneira como nos estruturamos para montar uma jornada de relacionamento com o público, pensando em toda trajetória de contato da Globo com todos e com cada um”, explica Valente.

Há três anos, a empresa tem também uma Sala de Conversa, ambiente que mostra em tempo real o que o público está falando sobre (e com) a Globo em todas as plataformas. “Neste ambiente, conseguimos saber também os assuntos que estão em alta na rede e buscar na nossa programação conteúdos para contribuir com a conversa. Dessa forma, o relacionamento com quem nos assiste vai gerando cada vez mais conexão, audiência, insights de conteúdo e também novos negócios alinhados com os interesses do público”, resume Valente.

Esse tipo de esforço resultou em projetos que saíram das telas e chegaram à vida real das pessoas, como o Globo Lab Malhação, em que jovens estudantes ajudaram a Globo a criar a campanha digital das temporada 2017 e 2018 da novela. No ano passado, diversos influenciadores conheceram projetos do Criança Esperança e, em 2018, alguns foram convidados para conhecer a cidade cenográfica de Orgulho e Paixão. Outras iniciativas recentes da emissora, mencionadas por Valente, foram a reunião entre Ana Maria Braga e a personagem Cuca, duas “divas digitais”, para divulgar a entrada do Sítio do Pica Pau Amarelo no Globoplay, e uma ação com geeks para promover a novela Deus Salve o Rei.

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“Temos várias iniciativas colaborativas, tanto nos nossos programas de jornalismo, quanto nos de entretenimento e esporte. O público faz parte da nossa programação de diferentes maneiras, seja no envio de sugestões de pauta para o jornalismo, na votação em quadros e realities, com suas opiniões em ações interativas do Fantástico e de tantas outras formas. Recebemos por diferentes canais de vídeos, mensagens e histórias que alimentam diariamente as pautas e os conteúdos dos programas e telejornais. Sentimos e incentivamos também essa troca nos programas de variedades, especialmente com as atrações ao vivo, e no esporte, com os grandes eventos esportivos”, afirma Valente.

A Copa do Mundo 2018 foi um exemplo da conexão entre a TV e as redes sociais, com 2,4 milhões de comentários e quase 1 milhão de interações relacionados à cobertura e à transmissão da Globo, que levou 62 termos aos TTs Mundo e 150 termos aos TTs Brasil do Twitter. Só a hashtag GloboNaCopa foi utilizada em mais de 400 mil publicações.

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Já o BBB teve engajamento histórico, com 173 milhões de pessoas participando em toda temporada. A hashtag FinalBBB18 obteve 2,6 milhões de menções nas redes sociais só na final, o que representa um crescimento de 229% em relação à final do BBB 17. Além disso, a #RedeBBB, canal de relacionamento com o público na web, criado para potencializar o consumo de conteúdos multiplataforma do programa, também registrou ótimos resultados. “Comercialmente, o BBB se consolidou como importante vitrine para marcas que querem conversar com os seus consumidores e impactar milhões de pessoas ao redor do Brasil, seja na televisão, seja no ambiente digital”.

Dentre as marcas participantes do projeto neste ano estiveram Fiat, Embelleze, Usaflex, Trident, Sundown, Hidratantes Johnson & Johnson, Havaianas, Wizard, Óticas Diniz, PagSeguro, Lojas Pompeia, Avon e Musical.ly. No ambiente digital, os especiais patrocinados somaram mais de 80 milhões de visualizações.

Gerar engajamento
Os ouvidos às redes sociais ajudaram o SBT, por exemplo, na escolha de Flavia Pavanelli para atuar em As Aventuras de Poliana. Ainda dentre os esforços de se aproximar das redes sociais e internet, há duas semanas, a emissora lançou a série teen Z4, uma produção em parceria com a Disney e a Formata, que traz alguns influenciadores em seu elenco, como o youtuber Pedro Rezende, autor do canal Rezendeevil.

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A emissora estabeleceu uma equipe de conteúdo focada no diálogo direto com a audiência nas redes sociais e no site, promovendo cada vez mais a chamada “Cultura do Fã” e o conteúdo colaborativo dos “Sbtistas”. “Queremos que os fãs façam parte da nossa equipe, sintam-se prestigiados e gerem conteúdo espontâneo nas plataformas digitais junto com o SBT”, explica Giuliano Chiaradia, gerente de Conteúdo Digital. Segundo ele, bons exemplos desse novo mindset da área de digital são algumas ações promovidas recentemente, como a iniciativa “O que você quer ver no site do SBT?”, em maio, nos perfis de Twitter e no Facebook da empresa. “O objetivo era ampliar e consolidar o relacionamento com nosso público atendendo às expectativas dele. Outra ação interativa que tivemos foi para a estreia da novela As Aventuras de Poliana, em que os fãs que mais comentaram nas fotos do Instagram da atração foram selecionados para conhecer o elenco durante a coletiva de imprensa de estreia”.

Na prática, escolher um influenciador para uma atração é visto pelo diretor artístico do SBT, Fernando Pelégio, como uma forma de alavancar o produto. Mas não podem ser a receita única para a fórmula de sucesso, por exemplo, de uma novela. “Os influenciadores e youtubers são bem-vindos, mas também é preciso estar de olho em outras plataformas e lugares para achar talentos. Não podemos ignorar teatro, cinema e outras mídias, todos os lugares são importantes. Entretanto, contar com influenciadores no elenco é um diferencial, pois é uma oportunidade de alavancar a novela, mas também deles serem alavancados pelo sucesso da mesma”, acredita.

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Questionado se as redes sociais são um insumo importante para causar impacto positivo na programação, Murilo Fraga, diretor de programa do SBT, garante que sim. “Passamos a utilizar uma nova ferramenta de promoção para o lançamento e a manutenção dos nossos produtos que, na maioria das vezes, chega antes aos nossos fãs e telespectadores”, explica. No entanto, há limites para esse impacto na programação diária da emissora. “Acho incrível essa interação com o nosso público e saber o que ele está achando da nossa programação. Porém, ainda não é possível tomar decisões em relação à grade de programas tendo as redes sociais como referência, afinal são milhões de pessoas com gostos e ideias diferentes”, pondera.

A relação entre influenciadores e TV impacta também o setor comercial do SBT, como reconhece Marcelo Parada, diretor- -comercial e de marketing. A presença considerável das atrações e artistas da emissora no digital, seja em seguidores, visualizações e engajamento com os conteúdos, traz números ditos fundamentais para tornar as propostas comerciais multiplataformas mais atraentes para os anunciantes. “E claro, o acompanhamento em real time da reação do público nos alimenta para melhorar ainda mais os resultados, seja para insights criativos para as atrações ou mesmo para criar novas oportunidades para marcas em branded content”, diz o executivo.

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Janelas de interatividade
A RedeTV!, por sua vez, diz estar profundamente conectada com as redes sociais, em “janelas de interatividade”, como explica Franz Vacek, superintendente de Jornalismo, Esportes e Digital da RedeTV. No Mariana Godoy Entrevista, por exemplo, metade das perguntas já chegam pelo Twitter. A emissora afirma que foi pioneira em colocar o Periscope dentro deuma cabine de locução de futebol para que a experiência pudesse ser mais interativa. 

A experiência da empresa com lives no Facebook nos debates eleitorais de 2016 levou a empresa a criar uma grade online alternativa transmitida pelo Facebook e YouTube. “Nosso canal no YouTube é o 22º mais influente do mundo e 2º no Brasil, de acordo com o site Social Blade. De certa forma, todos os 1.500 funcionários da Rede TV! estão envolvidos neste processo. Quem não enxergar isso não fará televisão daqui a pouco tempo”, avalia Vacek. “O telespectador não deseja ser passivo, ele quer ter a mesma voz que tem na internet. Para isso, usa as redes sociais para opinar, criticar e elogiar. É um termômetro muito importante. Independentemente da plataforma em que eles nos acompanham, queremos sempre aprimorar a nossa matéria-prima, que é o conteúdo de qualidade”, analisa.

No lado comercial da emissora, o trabalho multiplataforma também impacta os resultados. “Partindo do princípio de que trabalhamos em diversas plataformas, existe a publicidade, que é mais assertiva na TV, no Social, no Mobile e em outras plataformas digitais. Neste caso, nós podemos usar uma de nossas plataformas para despertar interesse e criar assuntos que viralizam rapidamente em outras. Com essa inteligência, entregamos para o anunciante uma comunicação mais completa”, explica Henrique Collor, value creation director da RedeTV! Do ponto de vista de audiência, funciona da mesma forma, diz ele. “Nossa ideia é impactar o nosso telespectador na televisão e continuar impactando enquanto ele não estiver em frente à TV. A tendência disso é automaticamente gerar engajamento e cada vez mais afinidade entre nossa audiência e nossos conteúdos”, conclui.

A Band afirmou, através de sua assessoria de imprensa, que, embora a exibição na televisão continue sendo a origem do buzz que depois deriva para as plataformas digitais, os pontos de contato mudam em função da jornada do telespectador. “A Band é uma produtora de conteúdo que se conecta com o público de forma variada ao longo do dia e estamos atentos a todas as manifestações. Temos o SAC, ainda utilizado por muitas pessoas que ligam para se expressar e e-mails, além das redes sociais, sem dúvida o componente mais novo e desafiador”, reconhece a empresa. “A tevê só ganha ao observar os novos hábitos do público. O segredo da comunicação está na conexão. E, sim, as redes sociais são uma ponte de conexão com o telespectador”.

A empresa, no entanto, relativiza a importância delas para gerar mudanças na programação. “As redes sociais são, antes de tudo, um termômetro de um determinado momento. Representam uma das muitas leituras que se pode fazer, além de permitir um contato direto com a audiência. Nesse contexto, são mais um parâmetro, mas jamais o único para o qual olhamos”.

O grande exemplo de conexão com as redes sociais da emissora é Masterchef, considerado internamente como bom exemplo de engajamento e resultado publicitário nas redes sociais. “O talent show, que alcança ótima audiência, também repercute de forma potente nas redes sociais, sendo opção para muitos anunciantes em todas as temporadas. É um caso clássico da dobradinha perfeita, que começa com a veiculação do programa na televisão e deriva para ações complementares nas plataformas digitais”, afirma a emissora.

Outro produto considerado bem-sucedido é o Papo Premium, realizado em conjunto com a Itaipava. Assim que o programa termina na televisão, a Band Digital leva ao ar, ao vivo, no Twitter do Masterchef, uma live sobre o episódio com André Vasco e convidados. Com 15 minutos de duração na primeira edição, caiu no gosto do público e registra números crescentes: as lives agora já chegam a uma hora de duração. No dia 17 de julho, foi visto por 188 mil espectadores, número recorde até aquele momento.

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