“Beba com moderação”, por exigência do Conar, é uma frase que está presente em todas as peças de propaganda de bebidas alcoólicas. Não apenas porque sou do Conar, mas porque sou cidadão comum, dou a maior força a esta ideia. É necessário lembrar sempre às pessoas que a bebida pode ser uma fonte de prazer e alegria, mas pode também ser uma desgraça. Eu estava pensando nisso outro dia, quando me lembrei de uma vez em que um cliente importantíssimo me chamou para jantar na sua casa.

Como a história se passa no exterior e é muito velha, não tenho medo que seja lida pelo próprio nem pela principal personagem. Por isso contá-la-ei na íntegra. Contá-la-ei são palavras que passei a vida sonhando em escrever um dia. Aí estão elas. Mais um sonho realizado. Agora só falta a Malu Mader me telefonar. Vamos em frente.

Era realmente um senhor cliente, presidente de uma multinacional importantíssima, verba de milhões de dólares, muitos milhões. E o panaca aqui, convidado para um jantar tipo íntimo, mais ou menos cinco casais, se sentiu honradíssimo com a oportunidade de estar mais próximo do cara cuja opinião poderia ser a diferença entre a aprovação entusiástica de uma campanha ou a execração pública do publicitário de merda que a criou.

Claro que, antes de sair para o jantar, a primeira recomendação de minha mulher foi exatamente a frase do Conar, que naquela época nem era obrigatória. “Vai com calma na bebida, meu amor”, disse ela, com medo que depois do segundo whisky eu já estivesse dando tapinha nas costas do anfitrião e contando piada pornográfica. Claro que retruquei na bucha: “Quando você me viu fazendo isso?”. Tive que ouvir: “Quase sempre!”. Bem, desculpem, digressionei.

Na verdade, saímos de casa após a promessa de que ninguém daria a menor chance de interferir de maneira prejudicial ao bom relacionamento da agência com seu biliardário cliente. Corta para a festa. A casa do cara era uma versão melhorada de cenário de musical da Metro. Como estávamos no verão, o jantar seria servido à beira da piscina, onde arranjos florais boiavam à luz de velas. Um desperdício de beleza e sofisticação.

O garçom estava infinitamente mais bem vestido que eu. Tudo recendia a luxo, riqueza, classe e requinte. Fui cuidadosíssimo com a bebida. A mulher do cliente era uma senhora elegantíssima, vestida com um Balenciaga que deveria custar uns quatro meses do meu salário. Tinha até uma harpista tocando. Não conheço nada mais deslumbrante que música ao vivo tocada por uma harpista linda, magra, celestial, vestida de branco esvoaçante. Acima disso, só Chitãozinho e Xororó.

A noite começou assim, discreta e elegante. Na hora não reparei, mas a tal senhora (a mulher do cliente) mamava direitinho. Entornou alguns uísques, misturou com champanhe, e ainda deu uns tapas num coquetel de frutas enjoativo que passava de vez em quando. E eu me controlando. Já é uma merda festa em inglês, com executivo de multinacional; sem álcool é quase uma tortura. Mas, tudo pela causa. Fiquei bicando o champanhe, fazendo cara de que todo dia jantava numa casa igual àquela. Até que chegou a hora da janta, como se diz na minha terra.

Eram pequenas mesas, como já disse, dispostas à beira da piscina. Eu me sentei com um embaixador de um país africano, um professor de Harvard, uma pesquisadora francesa e a mulher do cliente. Estávamos degustando as ostras de entrada quando a senhora me pediu para que eu repetisse para as pessoas a piada do Busto de Napoleão, que o marido havia lhe contado dias atrás e que ela tinha achado muito engraçada. Quase morri.

A piada do Busto de Napoleão é a mais imunda, imbecil, grossa e estúpida das piadas criadas no mundo. Em puteiro ela é considerada pesada. E, o que é pior, não existe como contá-la sem usar os mais cabeludos palavrões. Busto de Napoleão é uma piada que necessita da agressão para ter um mínimo de graça. Tentei me fazer de desentendido, mas ela me incentivou explicando o começo, que já é um festival de estupidez. Não tive outro jeito e fui até o fim.

Daí o embaixador africano retrucou com a história do elefante veado, devidamente rebatida por outra sujeira do mesmo teor, contada pela anfitriã. Resultado: mandei o garçom deixar o uísque na mesa, mandei ver, e até as quatro da manhã desfiamos a maior coleção de histórias impublicáveis, capazes de envergonhar as moças da zona de baixo meretrício da periferia. Foi uma noite inesquecível, até porque a harpista era especialista em piada de corno e quase caímos na piscina de tanto rir.

* Para entrar em contato com o autor, escreva para o email lulavieira@grupo5w.com.br