Roteiro para programa de TV.

Vídeo:

Sala de entrevistas. Vêem-se um sofá, onde uma senhora bonita está sentada e ao lado um sujeito simpático, de terno e gravata discretos. Numa cadeira ao lado o pastor inicia a entrevista.

Pastor:

– Temos aqui mais um convertido. Mais um irmão que encontrou Jesus e se salvou. Mais uma alma que se aproximou da verdade e hoje está feliz na nossa igreja, porque recebeu Jesus no coração. Como é seu nome, meu amigo?

Crente:

– Xenofonte Pereira de Almeida. Mas no mundo de pecado eu era conhecido como Xêpe.

Pastor:

– E o que você era, irmão, antes de Jesus surgir em seu caminho e você conhecer a luz?

Crente:

– Pu…pu…pu…

Pastor:

– Pode dizer, meu irmão, você já encontrou a luz, já achou a salvação, já recebeu Jesus no coração. Nada mais que lembre o passado importa, a não ser como exemplo para aqueles que ainda não estão na salvação. O que você era, irmão?

Crente:

– Pu…pu…

A mulher pega o microfone e diz, com voz embargada:

– Meu filho, tudo isso já passou! Você agora está com

Jesus! Sua alma já está na luz. Diga, diga a eles que você era publicitário!

Um enorme murmúrio percorre o templo. O pastor fecha os olhos diante daquela revelação terrível. Parece entrar em transe.

Pastor, de olhos fechados no começo e olhando para cima depois:

– Aleluia! Aleluia! Jesus tudo pode. Obrigado, meu Deus, por mais este milagre. Por mais esta ovelha que volta ao rebanho! Aleluia! Mil vezes Aleluia! Esta é a prova, senhor meu Deus, esta é a prova de que tudo é possível. Que não há iniquidade, que não há nesta terra maldade que o sangue de Jesus não limpe, não há ninguém que esteja tão longe da salvação que não possa ser alcançado pela Palavra! Obrigado, Jesus! E agora, irmão, diga o que você fazia.

Crente:

– Eu lancei prédios e apartamentos com jardins de 4 metros quadrados chamado de “Matas das Capivaras Azuis!”.

Fiéis:

– Oh! Jesus! Jesus!

Crente:

– Eu lancei planos de saúde que garantiam atendimento pessoal, personalizado e com resgate por helicóptero a 30 reais por mês!

Fiéis:

– Oh! Oh! Oooooohhh!

Pastor:

– Aleluia, irmãos!

Crente:

– Eu fiz anúncios de cigarros que diziam que quem fumasse aquela marca era moderno, inteligente, progressista e tinha sentimentos artísticos!

Fiéis:

– Não! Não! Oh! Deus de misericórdia! Sangue de Jesus tem poder!

Pastor:

– Calma, irmãos, calma. Aleluia!

Crente:

– Eu anunciei facas que cortavam latas, meias que prego não desfia, líquidos que tiravam mancha até de água, tônicos capilares, remédio contra impotência, camisetas politicamente corretas, cursos de inglês para aprender dormindo. Fiz campanha para político que prometeu segurança, saúde e educação para todos!

Fiéis:

– Chega! Chega!

Close alternados de fiéis em transe, que dizem aos prantos:

– Eu só estuprei velhinhas!

– Eu só prostituí minha filha!

– Eu só fui deputado!

– Eu só matei minha família!

– Eu só tocava violino em churrascaria!

– Eu só fui flanelhinha!

Pastor:

– Irmãos, Deus tudo perdoa em sua suprema bondade! Recebamos mais este pecador entre nós! É mais uma alma que volta para a luz. Abra seu coração, irmão, venha para a casa de Jesus!

Pastor, voltando-se para a senhora ao lado do publicitário:

– E você, irmã, o que fazia?

Mulher:

– Eu era modelo-manequim.

Eu tenho vários outros finais para esta história. Tem coro de fiéis que entra logo após cantando o jingle “Jesus, Jesus, quero viver na tua luz”, tem outro final com o publicitário confessando que foi ele quem fez o filme do aparelho que acaba com a barriga, e é expulso a pontapés do templo pelo próprio pastor. Tem até uma versão com Boris Casoy entrando e dizendo, emocionado: “É uma pouca vergonha!”. Nenhum deles me agrada. O problema é que eu gosto do meio do conto. Acho que tem suspense, ação, prende a atenção. Mas o final não me satisfaz. Como poderia acaba-lo? O pastor entregando o currículo da filha para o publicitário pedindo um estágio para ela? O publicitário lançando sua candidatura para “Convertido do Ano”? O publicitário criar a ABPC – Associação Brasileira dos Publicitários Convertidos?

Se alguém tiver outro final para esta historinha do publicitário convertido, escreva para mim. Vale um livro de autoajuda.

*lulavieira@grupo5w.com.br