Está nas livrarias a biografia de Roberto Marinho, fundamental para quem quer entender o Brasil. Aliás, quase tão importante quanto é a história dos irmãos Batista no livro Why Not, nome do iate de Joesley Batista. Ambos trazem um retrato do país, visto por ângulos diferentes, mas com substâncias suficientes para compreender um pouco mais nossa história e a nossa política. Escrevo esta página dias antes de o jornal ser impresso ou aparecer na rede. Por isso cuido de não ser factual demais, pois nem mesmo a internet consegue acompanhar os acontecimentos. Nunca a vida correu tão rápido. Como diriam Nelson Motta e Lulu Santos “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará…”. Só que não precisava ser tão rápido. Estas duas biografias não correm o risco de perder o interesse com o passar do tempo, pois mostram algumas das razões que fizeram o país ser o que é hoje. É evidente que não comparo os Batista com Marinho – há diferenças abissais entre eles –, mas ambos são simbólicos para entender o Brasil de hoje. Já que falei destas duas biografias, me permitam falar de outras duas que se não tratam do momento que o país vive, são livros simplesmente maravilhosos.

Uma é a biografia de Groucho Marx, um iluminado, e o outro é a de um dos maiores gênios de toda história do cinema, Billy Wilder. Uma coisa eles têm em comum, o que os torna ainda maiores: eles são absolutamente incapazes de se levarem a sério. Tanto Marx como Wilder riem de si mesmos com a mesma desfaçatez com que conseguem rir dos outros. Há algo de fundamentalmente grandioso nessa capacidade de se perceber pertencente à mesma raça (a humana) através do ridículo. E falo de reconhecidos gênios. Começo com este trecho de Groucho:

“Pondo ou tirando alguns anos, nasci por volta da virada do século. Não direi qual século. Cada um tem direito a um palpite. Morávamos numa casa superpovoada em Yorkville, no Upper East Side de Nova York. Além dos cinco irmãos – Chico, Harpo, Groucho, Gummo e Zeppo, por ordem de idade, havia minha mãe e meu pai (de fato eles chegaram antes de nós), o pai e a mãe de minha mãe, uma irmã adotada e um fluxo constante de parentes pobres que circulavam dia e noite pela casa. Eles vinham atrás de risadas, atrás de conselhos e atrás de comida. Eu não sei quem pagava pela comida. Acho que eram os mercados locais, pois mudávamos de um distrito de Yorkville para outro tão frequentemente como uma caravana de ciganos. Naquele tempo se fazia uma mudança por dez dólares, o que era muito mais barato do que pagar as contas. Meu pai era alfaiate, e algumas vezes conseguia fazer até 18 dólares por semana. Mas ele não era um alfaiate comum.

Sua posição como o mais inepto alfaiate que Yorkville produziu, jamais foi ameaçada. A opinião que meu pai era alfaiate era uma opinião mantida apenas por ele. Que eu saiba foi o único alfaiate em toda história que se recusava a usar fita métrica. Ele insistia que fita métrica era basófia pura, acrescentando que um alfaiate que precisasse medir um homem, para começo de conversa, não merecia ser considerado alfaiate. Meu pai se gabava de medir um homem apenas olhando para ele. Nossa vizinhança era cheia de fregueses de meu pai. Eles eram facilmente reconhecidos por estarem com uma perna de roupa mais comprida que a outra, mangas de diferentes tamanhos ou golas de casaco completamente indecisas. O resultado era que meu pai nunca tinha o mesmo freguês duas vezes…”

Quer mais? Compre o livro. Chama-se Groucho e eu, uma autobiografia escrita (quem diria?) por Groucho Marx. Sobre Billy Wilder só posso afirmar que, além de muito interessante como história, tem o maior volume de frases inteligentes reunidas num só livro. Um crítico disse: “o humor engraçado e brincalhão deste vienense iluminou Hollywood por mais de 30 anos. É simplesmente o cineasta do qual se cita o maior número de frases inteligentes”. Wilder não perdoa a realidade quando esta pretende se elevar ao sublime. Gênio no estilo de humor judeu, no sentido de ser defesa contra a falta de graça da vida, Wilder faz rir e pensar. Sua biografia é assinada por Herllmuth Karasek e foi editada pela DBA de São Paulo. Nenhum desses dois livros deve estar nas livrarias, mas sebo existe para isso. Só para terminar, uma vez perguntaram a Wilder como ele gostaria de morrer. Ele disse: “com 104 anos, assassinado por um marido que me flagrou com sua jovem mulher”.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)