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O mercado recebeu bem a notícia de que a PepsiCo fechou seu departamento global de procurement, a famosa mesa de compras da área de marketing, que se tornou motivo de muitos conflitos entre empresas anunciantes e agências. A partir de agora, a responsabilidade de contratar os fornecedores de marketing será dos gestores de cada uma das marcas da empresa multinacional, o que deve mudar significativamente a relação da Pepsi com suas agências de propaganda e demais fornecedores de marketing, além de ampliar o debate a respeito do valor das mesas de compras para as empresas de uma maneira geral.

No Brasil, por sinal, o debate é antigo. Filipe Trielli, presidente da Aprosom (Associação Brasileira das Produtoras de Fonogramas Publicitários), fala que as mesas de compras colocam o preço como único valor em uma negociação e a Aprosom recebeu a notícia sobre a mudança na PepsiCo com bastante entusiasmo.

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“Este assunto já foi pauta em muitas reuniões com os anunciantes e até lançaram um manifesto, tempos atrás, contra essa forma de contratação de fornecedores. Quando falamos de um trabalho criativo, em que cada peça é única e, sendo única, conta com diferentes números de profissionais envolvidos, há outras variáveis a se observar. Uma peça com orquestra é bem diferente, em número de participantes, de uma em que há apenas uma voz e um violão. Ou seja, o preço de uma peça está intimamente ligado ao briefing. O resultado disso é que a comunicação dos clientes acaba ficando cada vez mais genérica e com menos possibilidades criativas, diminuindo assim a sua relevância. Aparentemente as empresas estão começando a perceber isso. Esperamos que seja uma tendência”, disse.

Carlos Righi, sócio-diretor da produtora Cia de Cinema, também comemora a decisão da PepsiCo. Para ele, mesas de compras só atrapalham, entendem muito pouco do negócio da propaganda, nada de cinema e querem garantir seus bônus de qualquer forma. “Eu nunca vi uma mesa de compras ajudar, pelo contrário”, observou. Paulo Roberto Schmidt, presidente da Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais), fala que a entidade vem defendendo que as agências de propaganda sejam as responsáveis pela escolha, negociação e condução da contratação das produtoras, assim como pela supervisão e acompanhamento de todas as etapas de produção.

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“De forma geral, nos parece que a existência de mesas de compras leva em consideração apenas a questão econômico-financeira, buscando sempre o menor preço, por vezes impondo condições inaceitáveis e impossíveis de serem absorvidas pelas produtoras, sem que elas reflitam na qualidade do filme e da comunicação da marca. A economia financeira, tão bem propagada pelas mesas de compras, provavelmente não levou em consideração as eventuais perdas ou prejuízos acumulados pela ineficiência ou falta de resultados, que não foram alcançados junto às pessoas e consumidores que deveriam ser atingidos ou impactados”, comenta Schmidt, que torce para que a iniciativa da PepsiCo leve outros anunciantes a refletir por que entregam a suas agências seu maior patrimônio – a marca – e não as deixam escolher e contratar os talentos para materializar as peças e ferramentas de comunicação.

Flexibilidade
Um porta-voz da PepsiCo disse que a empresa quer ganhar flexibilidade e velocidade num ambiente em que as decisões muitas vezes precisam ser tomadas em tempo real. Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC, definiu a decisão da PepsiCo como algo moderno, inovador e coerente com seus valores como marca e corporação e com tudo o que os clientes mais modernos pregam. “Cada cliente faz o que é melhor para si e para sua marca”, observou.

Os anunciantes começaram a criar mesas de compras para centralizar as contratações na área de marketing há cerca de 15 anos, com o objetivo de economizar dinheiro e melhorar o retorno sobre seus investimentos. O fato é que mesas de compras vêm sendo questionadas há alguns anos não somente por executivos de agências e produtoras, mas pelos próprios profissionais de marketing.

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Glaucio Binder, presidente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda), considera a medida da PepsiCo positiva e torce para que outras empresas sigam pelo mesmo caminho. Binder fala que uma mesa de compras pode piorar um trabalho, nunca melhorar. E é difícil mensurar o quanto um trabalho ruim pode interferir negativamente numa marca. “Ter uma etapa do processo que só tira valor não me parece algo inteligente. Para o país é ruim também, pois a pressão por preços cada vez menores empurra empresas menores à informalidade, para se manterem competitivas”, conclui.

Guilherme Jahara, CCO da F.biz, afirma que, por muito tempo, os operadores das mesas de compras não entendiam a diferença entre um diretor de nível A para um de nível B. A falta de entendimento de questões empíricas acabava distorcendo os critérios de seleção. Hoje ele percebe que algumas mesas de compras estão melhor preparadas, incluindo até profissionais de RTVC e art buyers em suas equipes. “Independentemente do modelo, o importante é fazer com que a união do cliente com a sua agência fique mais forte e verdadeira para a construção de marcas”.

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Poder
Resta saber, se esse movimento será seguido por outras grandes empresas, que ainda compram propaganda como se comprassem material de escritório. Orlando Marques, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), afirma que a possibilidade é forte, pois o comportamento de um grande anunciante pode ser seguido e virar uma tendência. Nesse caso, a maior vantagem (da extinção das mesas de compras na área de marketing) será empoderar o marketing e dar aos profissionais da área mais responsabilidade na negociação e nas compras dos serviços.

“Uma coisa é certa: profissionais de marketing têm conhecimento e entendem de fato a linguagem da agência e não costumam confundir trilha sonora e direitos autorais com parafusos e arruelas. Na maioria das vezes que participei de reuniões conjuntas de compras com o pessoal do marketing, havia um certo desconforto dos profissionais de marketing em ter de se submeter à decisão do todo-poderoso comprador”, observa.

Mas reconhece que elas têm o seu valor, pois os clientes aprenderam a comprar melhor. Marques não acredita que as mesas de compras desapareçam. “Nós deveríamos ter aprendido a vender melhor nossos serviços, mas, na realidade, não foi o que ocorreu, por isso as agências têm sofrido com a deterioração de suas margens. Mas acredito que a culpa está dividida e não podemos creditá-la só aos compradores: nós precisamos saber valorizar os nossos serviços e cobrar por eles. Esteja do outro lado da mesa um profissional de compras ou de marketing”, conclui o executivo.

Procuradas, tanto a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) quanto a PepsiCo não se pronunciaram sobre o assunto. Há cerca de um ano, em um evento do mercado, o presidente da ABA, João Campos, que hoje é presidente da divisão de alimentos da PepsiCo no Brasil, mas na época respondia pela Unilever como vice-presidente, afirmou à reportagem do propmark que as bancas de compras são um processo importante e na empresa havia um critério rigoroso para contratar serviços de marketing, sempre com o envolvimento do marketing, em busca de transparência. De fato, entre os fornecedores de marketing, a Unilever costuma ser citada como correta em seus processos de procurement, feitos por profissionais mais preparados para interagir com fornecedores nas cotações.

Raio x
A PepsiCo teve receita líquida de mais de US$ 66 bilhões no ano passado, sendo que 53% vêm de alimentos e 47% de bebidas. Seu portfólio global inclui marcas de alimentos e bebidas como Frito-Lay, Gatorade, Pepsi-Cola, Quaker e Tropicana. No Brasil, a empresa tem como marcas principais Quaker, Toddy, Mágico, Toddynho, Elma Chips, os snacks Lucky, Torcida, Ruffles, Doritos, Cheetos, Fandangos e Fofura, Eqlibri, Mabel, e em bebidas Gatorade, Lipton, Kero Coco, Trop Coco, H2Oh, Pepsi-Cola, Hello by H2O e Drinkfinity. O investimento global em propaganda foi de US$ 2,3 bilhões em 2014. No Brasil, as principais agências que atendem às contas da empresa são AlmapBBDO (PepsiCo e salgadinhos Elma Chips), Loducca (Toddy e Toddinho, Quaker e Mabel) e Lew’Lara/TBWA (Gatorade). Pong, Bullet e Bferraz também atendem algumas das marcas. Internacionalmente, ela manteve longo relacionamento com agências do Grupo Omnicom, mas vem experimentando agências menores como Lloyd&Co e Moondog, ambas de Nova York, por decisão de Kristin Patrick, chief marketing officer para bebidas, que questiona a eficiência de agências globais.

ANA

A ANA (Associação Nacional dos Anunciantes dos Estados Unidos) realizou uma pesquisa entre seus associados logo após a divulgação da decisão da PepsiCo de acabar com a área de marketing procurement e constatou que esta pode não se tornar uma tendência entre anunciantes, pelo menos entre os americanos.

De acordo com as respostas, 68% não acreditam que haverá uma tendência e 17% ficaram indecisos. Apenas 15% acreditam que o fim das mesas de compras para serviços de marketing pode se tornar uma tendência no futuro próximo. As respostas mais comuns para justificar a manutenção das mesas de compras foram, por exemplo, o fato de a área de procurement funcionar como uma “terceira parte” neutra nas negociações, ou ainda que os times de marketing não têm preparo para negociar valores das ações de marketing.

Outros argumentos: obrigar os profissionais de marketing a realizar o trabalho do procurement pode lhes tomar tempo demais (que eles não possuem); a área de procurement centraliza e organiza os gastos (o que seria uma vantagem) e mesas de compras conseguem jogar duro com as agências e outros fornecedores, algo que profissionais de marketing não conseguem fazer.