Um dia desses precisei de um livro antigo e tentei encontrá-lo num desses sebos do centro do Rio de Janeiro.

Estava percorrendo as prateleiras de aço, perdido no caos mais ou menos organizado de todo sebo, quando encontrei uma coleção completa da Revista do Rádio. Calma, calma, jovem leitor, leitora.

Não me abandone agora só porque não tem ideia do que seja a Revista do Rádio e sua profunda importância cultural. Eu explico.

Tratava-se de uma publicação de grande sucesso, cujo apogeu foi nas décadas de 1950/60, que, como o nome já dá uma dica, era dedicada ao rádio e (um pouco) à televisão. Era uma mistura de Caras, Contigo, VIP, e caderno de televisão dos jornais.

Falava dos bastidores do rádio, contava a vida dos artistas, fazia fofocas. Era quase um blog de escândalos, um programa da tarde, mas com cara de coisa de família. Sabe o tal negócio de “mostrar o lado humano dos ídolos”?

Pois é, por aí. Namoros, separações, dicas de cozinha, “conheça minha sala de estar”. Só não tinha castelo ou ilha como Caras, mas o espírito era o mesmo.

Era mal impressa, escrita num estilo ultrapassado e inteiramente cúmplice do star system do rádio, na época uma indústria fortíssima. Pois é. Era isso.

Pois encontrei a coleção da revista debaixo de alguns bons centímetros de poeira e, me sentei numa pilha de livros e folheando a Revista do Rádio reencontrei minhas amantes do tempo da pré-adolescência: Anilsa Leoni, Carminha Mascarenhas, Doris Monteiro, Aizita Nascimento, Hebe Camargo, Heloína.

Da maioria delas muita gente já se esqueceu. Mas eu me lembro muito bem delas todas e de nosso amor. Algumas estavam com os maiôs de corpo inteiro (algumas – muito poucas – de ousadíssimos duas-peças), outras um shortinho, as mesmas caras e bocas que me levavam à loucura.

Alguém lá em casa comprava a Revista do Rádio e, depois de devidamente lida pelos adultos, ia completar minha biblioteca erótica, meu sistema de sustentação visual, se é que me entendem.

Nessa biblioteca clandestina havia alguns Carlos Zéfiro (alguém sabe o que é isso?), umas revistas americanas de naturismo, números especiais de Carnaval da Manchete e do Cruzeiro e muita Revista do Rádio.

E foi essa coleção a base de inspiração do então chamado sexo solitário, que naqueles dias ganhavam o tempero da culpa e do medo. Diziam que a prática onanística dava pelos nas mãos. Posso desmentir com veemência. Não dá.

Voltando ao sebo, minhas mulheres estavam lá. Renata Fronzi, Íris Bruzzi, Ângela Maria rechonchudinha, Wilsa Carla magrinha, todas elas.

Minhas mulheres. Mostrando seus guarda-roupas, comentando uma separação ou um casamento, dando opiniões profundíssimas a respeito de tudo. E infinitamente eróticas.

Um roupão entreaberto, um traje caseiro, uma roupa de show sugeriam pedaços de coxas, detalhes de seios. O suficiente. Fiquei no sebo algumas horas com minhas antigas namoradas.

Rose Rondeli, Luz Del Fuego, Marli Marlei. Não comprei a coleção.

Deixei as mulheres da Revista do Rádio como estavam, imortalizadas nos clichês de chumbo. Eu já não sou o mesmo. Nem elas. Nem o rádio. Feliz 1959!

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)