“Para que não se me atire o impropério de reacionário, desiludido ou pessimista, citarei no decurso deste texto a autorizada opinião de alguns homens que não se confundem com a obscuridade de quem subscreve este artigo. O que acontece é que torna-se imprescindível uma imediata reação por parte dos homens, notadamente os chefes de família, para que o mal não se amplie ainda mais do que se tem alastrado. Digo eu que cada chefe de família que ainda não perdeu a sensatez e a prudência está na obrigação inadiável de aumentar os cuidados em sua casa e no dever imperioso de, sem subterfúgios, sem evasivas, sem tibiezas, arrancar as filhas e mulheres dessas atitudes que contrariam o bom senso e a dignidade como se observa hoje na vida social. Cada chefe de família, repito, tem a necessidade rigorosa de prestar atenção para o traje e os pensamentos das filhas e da consorte, para lembrar-lhes aquilo que demonstrem que esqueceram do código da virtude. É crime de lesa-pátria o chefe de família que não afasta do lar dos ares envenenados de fora e, sob o irrisório pretexto de que é moda ou pensamento geral, invadem seu domínio pela linguagem chula, pelos pensamentos inadequados, pelos trajes e pelas atitudes que comprometem. Não me caberia a honra desmedida de ser brasileiro se deixasse passar a ocasião que se me oferece a ventilar este problema. Sei bem que corro o perigo de resvalar no ridículo e escorregar na zombaria. Não existe cena mais inapropriada do que um cavalheiro de minha profissão vir a público pregar sermões de moral. Dou de ombros. Suportarei com paciência o peso do ridículo se minha voz repercutir num só ouvido. É preciso que se ouça com atenção o que os grandes educadores, os verdadeiros líderes espirituais, as autoridades médicas alertam. Estamos – e trata-se de conclusões respaldadas pela ciência – no limiar da definitiva degradação da espécie e das conquistas civilizatórias. A mulher nasceu para viver no lar e respirar na família conforme nos ensina a natureza em sua sábia e divina evolução. Hoje já corre o mundo o provérbio francês que ‘mulher fora de casa está dentro do perigo’. O trabalho masculino exercido pela mulher lhe amortece a inclinação pela família, brutaliza seus sentimentos, lhe dá hábitos impróprios e lhe rouba a timidez própria do seu sexo. Se ela trabalhando foge das responsabilidades do lar e pensa que se torna livre, submete-se em realidade à escravidão e à dependência de suas funções públicas. O convívio entre homens que não podem respeitá-la pela ausência de laços de parentesco só lhe é nocivo. As homenagens que seus companheiros de trabalho lhe emprestam são iguais às que as abelhas rendem às flores que têm viço e perfume, poluindo-as aos poucos e murchando-as lentamente, aniquilando-as para sempre. O presente é horrível e por isso o futuro é negro. Mães brasileiras, alerta! Moças brasileiras, cautela! Seja vosso lema, vosso estandarte a vossa bandeira, a expressão latina da virtuosa mulher romana Cornélia Graccio inscrita no frontispício de seu lar: PROPUDOR. Isto significa que se espera da mulher compostura, decência, pudicícia, sensatez, virtude e pureza nos costumes”.

Este texto, evidentemente editado por mim, respeitando a ideia original e obedecendo o espírito do linguajar, foi publicado na Revista Souza Cruz, em maio de 1926, assinada por Gabriel Bandeira de Faria. Eu recebi de presente de Natal a coletânea em edição especial e a tenho lido como um documento precioso da evolução (ainda que tímida) das conquistas sociais e do progresso da sociedade nestes anos.

Suprimi, nesta primeira fase, alguns conceitos datados que poderiam, antes da revelação da idade do texto, suprimir a graça da coisa. Pois Gabriel Bandeira de Faria cita muitos doutores que garantem que as danças modernas (para a época, claro) são terríveis para a saúde da mulher, trazendo (sic) “atrasos orgânicos terríveis, inclusive perturbações circulatórias”.

E mais, comemora à certa altura o tal Gabriel que felizmente nossos legisladores “ainda não cometeram a loucura de conceder o voto às mulheres” e que “enquetes recentes” mostram que 90% dos homens entrevistados confessaram que preferiam jamais casar com suas companheiras de danças, pois não há esperanças para as moças que se enlaçam com homens em público, causando a si mesmas males físicos e psicológicos. Este artigo tem menos de 100 anos. Evoluímos muito, se observarmos algumas opiniões de nossos contemporâneos? É só uma pergunta.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)