Desde que assumiu a criação dos 120 escritórios da FCB como global chief creative officer, há quase três anos, Susan Credle tem liderado mudanças profundas na agência. A ideia é tornar a execução de processos criativos mais azeitada, respeitando as peculiaridades dos 80 países onde atua. Ciente da impossibilidade da onipresença, a executiva trouxe o publicitário Fred Levron (ex-CCA e Ogilvy) como worldwide creative partner. Em visita ao Brasil, Susan ressaltou a relevância da operação local e como a agência tem apoiado novos talentos.

Quando você assumiu como CCO global, disse que a publicidade é uma ferramenta para fazer a diferença. O que isso significa?
Não me refiro tanto às causas, como grandes campanhas que abordam questões sociais. Mas a algo maior que isso. Quando eu era pequena, vivia em uma cidadezinha na Carolina do Sul. Éramos bastante provincianos, todos pensávamos de forma muito parecida. Mas a publicidade me mostrou pessoas que pensavam diferente de mim, que tinham aparência diferente da minha, outros tons de pele. A propaganda me fez perceber que havia um mundo novo lá fora. A publicidade, na sua melhor versão, apresenta às pessoas as mais diversas referências de coisas que elas possam aprender a amar e sonhar. É aí que ela faz a diferença. Não gostaria de citar nenhuma campanha em particular porque acabaria em Fearless Girl ou Like a Girl. Todas são maravilhosas, mas eu acho que na essência temos a responsabilidade de contar grandes histórias, mostrar como criar soluções de forma criativa. Porque assim incentivamos as pessoas a fazerem o mesmo em suas vidas.

Como seu conceito de pessoas, lugar e propósito contribui para sua filosofia de inspirar o novo?
Meu propósito está muito ligado ao que te respondi na primeira pergunta, ou seja, ter orgulho da indústria e entender que o que fazemos faz diferença em diversos níveis, desde orientar a economia a criar valor para marcas e sociedade. Quando digo pessoas, lugar e propósito, quero dizer que toda vez que eu assumo uma função quero saber com quem vou trabalhar, se o lugar é um ambiente que acredita em criatividade e se o propósito está acima do retorno financeiro. É isso que fazemos aqui na FCB, porque é o correto a fazer pelos colaboradores, pela agência e pela indústria. Se tomarmos decisões nesse sentido, o dinheiro virá. Se tomarmos decisões fora disso, a agência e a indústria também ruirão.

Você é uma das 100 pessoas que fazem a publicidade ser grande, segundo a 4As. Como enxerga a propaganda brasileira?
Quando comentei sobre a importância de a publicidade colocar coisas bonitas no mundo, acho que a propaganda brasileira tem essa essência de trabalho artesanal e direção de arte tão forte, além do entendimento do que são coisas bonitas e bem desenhadas. O trabalho é repleto de detalhes peculiares. Eu me lembro quando comecei nesse mercado, meu primeiro CCO disse que não entendia como a publicidade brasileira conseguia ser tão bonita e ao mesmo tempo importante, com editorial forte. E o trabalho que já vi do Brasil é interessante justamente por causa do conteúdo. Em um mundo em que tanto falamos de branded content, a propaganda brasileira é uma das melhores feitas na indústria.

Você disse em um artigo no Wall Street Journal que as melhores agências do mundo não são apenas prestadoras de serviço. A FCB se encaixa nesse modelo?
Eu sempre tive sorte porque todas as agências em que já trabalhei tinham esse pensamento. Na BBDO, nós acreditávamos que criávamos produtos e éramos orgulhosos por isso. Essa é minha filosofia agora na FCB. Se vou a um restaurante, eu gostaria de receber um bom serviço, mas eu também espero que a comida seja maravilhosa. E a qualidade da comida é que vai fazer o restaurante ser mais valioso ou vulnerável. E me sinto da mesma maneira com a publicidade. O serviço é importante. Você precisa ser um bom parceiro para seu cliente, mas a qualidade da sua criatividade é que vai fazer você ser valioso, sendo visto além de um simples vendedor. Para mim, o produto criativo, e não o serviço prestado, faz a diferença.

Como funcionam os processos criativos na FCB globalmente?
É interessante porque acabamos de ter essa conversa com os diretores de criação da FCB nas diversas operações pelo mundo e todos concordaram que grandes ideias executadas de forma empobrecida chegam de maneira menor do que boas ideias executadas de forma brilhante. Contratei o Fred Levron principalmente porque eu me dei conta de que ser uma CCO global presente, que visita os diversos mercados de tempos em tempos, seria uma visão ingênua. Eu simplesmente não tenho tantas horas assim no meu dia. E tem muito do que eu preciso fazer no sentido de construir culturas e garantir que os escritórios da FCB pelo mundo tenham autonomia.

E qual tem sido a missão do Fred?
Não é apenas questão de criar grandes ideias, mas de apoiar profissionais de criação para que se tornem grandes. Eu tenho de apoiar essas pessoas, suas visões e respeitar diferenças culturais. Se não temos todas as pessoas que lideram a agência acreditando que eles produzem um produto chamado criatividade e ele precisa ter excelência, nós não seremos os melhores. O que o Fred tem feito é voado pelo mundo levando a nossa cultura, trabalhando como parceiro na criação. A FCB está avançando para um outro nível de contratações, recrutando pessoas para grandes papéis pela primeira em sua carreira. Nós estamos ajudando pessoas com seu primeiro emprego a estarem em um lugar maior do que eles poderiam imaginar. Ter alguém como o Fred como parceiro na criação é algo fantástico.

Como você vê o trabalho que está sendo feito pela FCB Brasil?
O trabalho feito aqui foi um dos motivos que me fizeram aceitar o cargo de CCO global. Porque eu senti que a propaganda brasileira é especial. A FCB Brasil acerta não apenas porque desenvolve ideias criativas, mas porque cria uma plataforma de ideias em que os clientes podem continuar trabalhando suas histórias sem que tenha um fim. O espírito de colaboração também é fantástico. Eu tenho acompanhado a Joanna [Monteiro, CCO da FCB Brasil] com sua equipe e ela adora ajudá-los a crescer. Nossa busca é transformasr jovens em excelentes profissionais. É uma reputação interessante que mantemos. Acho maravilhoso sermos a agência responsável por formar esses talentos para que depois eles cresçam e mostrem o que aprenderam. Para a agência, isso é ótimo. E o mercado sai mais fortalecido com isso.

Você é vista como uma liderança para mulheres que atuam no mercado. Como avalia essa abertura?
Uma das razões que me fizeram entrar para o negócio da propaganda foi porque ele sempre foi maravilhoso com as mulheres. Elas tinham seus nomes nas portas. Então, pouco tempo depois que entrei, alguma coisa aconteceu. Nos anos 1980 e 1990 eu vi cada vez menos mulheres atuando em grandes papéis. A minha sensação é que a construção de marcas se tornou menos importante. Se você pensar nas atrações de TV, nós não celebramos marcas. Quando olho para trás, lembro-me de mulheres que eu admiro construindo marcas em vez de fazer anúncios. Quando a TV era uma mídia mais dominante, o mercado era apenas sobre anúncios. Hoje, por causa da fragmentação da mídia, compreender como construir marcas se tornou importante de novo. E isso requer uma visão de longa distância, um cuidado mais detalhado com as coisas e essas são características de essência feminina. Acho que teremos cada vez mais essa necessidade de um olhar feminino. Estou ansiosa com isso. Não acho que seja uma questão de homens versus mulheres, mas cada vez mais características femininas serão necessárias.

E quanto à representatividade? O quanto ver mais mulheres no comando é inspirador?
Infelizmente, tivemos uma década em que a quantidade de mulheres na liderança caiu e isso tem uma influência tremenda porque as mais jovens não enxergam modelos lá fora. Eu convivi com mulheres que fizeram trabalhos incríveis e isso me motivou a querer fazê-los também. Tem uma geração inteira de mulheres, provavelmente 10 anos mais jovens do que eu, que estão sem referência. Quando eu assumi o cargo como CCO global na Leo Burnett, nos Estados Unidos, não havia nenhuma mulher ocupando a mesma função em outras agências. Hoje já existem. Posso inumerar várias. Ver essas mulheres assumindo grandes funções faz com que a mudança ocorra de forma mais rápida. E faz com que me sinta mais corajosa e feliz de ver o potencial que as mulheres têm na mesa de negociações.

Como a indústria da propaganda pode ser mais diversa?
O que eu realmente acredito é que diversidade em uma sala, não apenas de homens e mulheres, mas diversidade real de pessoas incentivando e orientando umas às outras, sempre permitirá um trabalho melhor. Você é exposto a muito mais referências, e isso se reflete em soluções bem mais interessantes. Se eu trabalhasse com alguém exatamente como eu, seria como ter o mesmo cérebro na sala. Já quando trabalho com backgrounds totalmente diferentes, nacionalidades, gêneros, orientações sexuais ou o que for, nós temos discussões muito mais interessantes. E o trabalho sai mais corajoso porque você não tem só uma forma de pensar. Acho que a gente tem de dar uma chance às pessoas. Contratar baseado apenas no portfólio é muito perigoso. Estou tentando abrir caminhos na FCB para dar mais chances para pessoas criativas. E ensiná-las a disciplina do que fazemos na propaganda. Isso não é exatamente um risco, porque você não vai jogá-las sem ensiná-las a nadar. Não estou dizendo que isso funciona com todo mundo, mas as agências deveriam estar olhando ao acaso pessoas interessantes para trazer para dentro. E ver o que elas podem acrescentar para a sua cultura. Essa é uma forma de se pensar o futuro.