A P&G é uma das pioneiras e um dos principais esteios do marketing e da publicidade mundial. Há mais de 180 anos tem sido fonte de boa parte dos fundamentos dessas atividades e acertado bem mais do que errado. Marc Pritchard, seu líder da gestão de marcas, que está lá há uma década, é um dos profissionais mais bem preparados e competentes da atualidade em seu campo.

Mas essas virtudes, da empresa e do profissional anunciante, não impedem que eles errem, vez ou outra. Situação que, tudo indica, ocorre neste momento, com um enorme potencial destrutivo para a vida das muitas marcas de grande sucesso dessa organização, uma das principais líderes de seu setor de atividade e maior anunciante do mundo – o que faz com que suas crenças e ações sejam seguidas por inúmeros outros.

Em bom português, a impressão é que está sendo estruturado um verdadeiro samba do crioulo doido. Uma das ideias é somar competências de grandes concorrentes (da Publicis, Omnicom e WPP) e harmonizar sua atuação. Esse é um movimento que tende a ser desastroso, pois é exatamente da competição dos talentos pelos negócios dos clientes que elevou a atividade a seus melhores níveis e mais eficazes resultados. Outro desastre anunciado é a opção pelo modelo de in-house agency. As houses têm se revelado um erro cíclico e histórico. Com raríssimas exceções, não construíram grandes marcas.

Também se enfatiza a fuga do modelo de mad men. O que tem algum sentido, mas precisa ser encarado com cuidado. Esse modelo foi responsável por uma revolução na forma de se fazer publicidade e estabeleceu bases que funcionam muito bem até hoje. Basta lembrar alguns mad men históricos, como Bernbach e Ogilvy. Marc condena o senso de project management e defende o de brand entrepreneurship. Que é exatamente a essência dos grandes mad men. Esse modelo e perfil tem de ser atualizado e talvez bastante modificado, mas incorpora a principal virtude dos publicitários – de qualquer gênero – no presente e no futuro próximo. Reduzir o número de agências contratadas é imperativo. A P&G saiu de 6 mil e chegou a 2,5 mil, globalmente. Talvez seja preciso reduzir mais do que 50%, como os atuais planos propõem.

Mas é um perigoso exercício de wishful thinking acreditar que um anunciante de seu porte, com suas inúmeras marcas e atuando em praticamente todo o mundo, com a sua presente e crescente diversidade, possa chegar a uma quantidade muito pequena e com base nessa linha torta de “combinar talentos” com a multiplicação de houses. O próprio Marc mencionou que está na hora de reunir criação e mídia. Isso se faz com o secular modelo da agência fullservice externa e independente, atualizado para o momento, e não caindo na tentação de levar a compra de mídia para dentro da estrutura do anunciante.

Outra tentação que se desenha é persistir apostando alto no digital – que ainda é um meio publicitário em desenvolvimento, vivendo a passagem da infância para a puberdade – e em alternativas como native advertising, brand experience e brand content, entre outras, que funcionam apenas como complemento à publicidade clássica e nem todas as marcas.

A verdade é que os consumidores aceitam bem melhor propaganda tradicional, honesta e de alta qualidade do que experimentos que disfarçam de forma pueril as mensagens comerciais como se fossem conteúdos informativos e de entretenimento. Publicidade é publicidade, conteúdo é conteúdo. Quanto mais separados, melhor. Também será um grande erro dar muita ênfase ao lado científico e fundamentado em análises racionais da publicidade, esperando que desse viés venha a existir criatividade superior. É exatamente o contrário: é preciso dar suporte científico ao talento criativo, como sabiam e bem faziam os mencionados Bernbach e Ogilvy.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafael.sampaio@uol.com.br)

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