Há apenas quatro meses no comando da Ancine (Agência Nacional de Cinema), Christian de Castro mantém um cronograma detalhado de onde pretende levar o mercado audiovisual brasileiro ao fim de seu mandato, em 2021. A ideia é desburocratizar os processos para incentivo privado na produção de TV e cinema e, de quebra, estreitar relações com investidores da chamada economia criativa. O órgão acaba de lançar pacote de financiamentos públicos no valor de R$ 471 milhões. O presidente da Ancine destaca que o Brasil é uma potência na internet, com dados como os de que somos o segundo país do mundo em inscritos e views no YouTube e um dos três maiores assinantes do Netflix.

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PANORAMA
O Brasil está entre os 15 maiores mercados de audiovisual do mundo. A produção independente na TV aberta e no cinema é muito forte. A gente está sempre entre as dez maiores bilheterias do mundo. Temos um mercado interno forte e uma boa capacidade de comunicar para o mercado internacional por conta da nossa cultura. Estamos no primeiro terço desta escalada para chegar entre os cinco maiores mercados nos próximos dez anos.

PRODUÇÃO NACIONAL
O mercado local passou por uma transformação grande nos últimos cinco anos, a partir da Lei 12.485/2011, que começou a valer em 2012 e trouxe a entrada da produção brasileira nos canais de TV por assinatura. Isso fez com que as produtoras se organizassem de maneira mais estruturada, com desenvolvimento de projeto e produção, porque você lida com uma cadeia complexa. Hoje a gente está amadurecendo rápido e a entrada de novas tecnologias acelerou o processo.

INVESTIMENTO PÚBLICO
Se a gente pegar a maior indústria do mundo, a dos Estados Unidos, qualquer estrutura de financiamento de audiovisual lá conta com até um terço do orçamento com mecanismos de incentivos fiscais. No Brasil, é possível chegar a ter, a cada R$ 1 investido de recursos públicos, R$ 2 de recurso privado. A série Breaking Bad, por exemplo, foi feita no Novo México porque teve um baita incentivo da cidade de Santa Fé. O investimento público é estratégico já que estamos falando da diversidade da cultura de um país, da sua identidade e da forma como isso é comunicado para dentro e para fora. É uma forma de você exportar sua cultura a partir de produtos e bens culturais.

INVESTIMENTO PRIVADO
O dinheiro privado não entra em um ambiente que não tenha previsibilidade de entrega. A burocracia acaba travando o processo. Hoje, em um mundo com a possibilidade de análise de dados, a gente consegue ter controle sem uma burocracia excessiva e fazer com que o processo consiga fluir de forma transparente e objetiva. O momento é bom para provocar essas mudanças.

PLANEJAMENTO
Pensando no investimento em conteúdo, hoje é muito difícil trazermos uma marca para dentro do cinema e TV porque a gente não tem uma previsibilidade de quando aquilo ali vai ser entregue ou pelo fato de os mecanismos de investimento não permitirem uma parceria com o investidor privado. Se a gente não tem previsibilidade, o investidor não sabe quando o conteúdo entra no ar ou será difundido e ele não consegue fazer com que o investimento caiba na sua estratégia de comunicação.

DESBUROCRATIZANDO
As mudanças no Fundo Audiovisual foram estabelecidas depois de um longo processo de análise, que começou ano passado, no Comitê Gestor do Audiovisual, a partir de uma demanda do mercado por conta da burocracia excessiva no lidar com o fundo e processos, a demora na análise e avaliação, contratação e liberação de recurso. O resultado é o seguinte: procurar fazer com que a análise seja o mais objetiva possível.

MUDANÇAS NA PRÁTICA
No início de março, a Ancine soltou no mercado seis editais no valor de R$ 471 milhões. São investimentos seletivos em produção para cinema e para TV, nos quais os proponentes podem ser produtoras ou distribuidoras, além de um edital de apoio para exibidores. Esses formatos já se encaixam na nova metodologia para encurtar os prazos para análise, avaliação e pontuação para contratação. Esse prazo era de dois anos. A gente pretende encurtar essa liberação de recursos para menos de um ano.

EFEITO NETFLIX
No mundo inteiro, as marcas estão cada vez mais dentro do audiovisual. Com essa transição on demand, com o conteúdo disponível a qualquer momento, lugar e tela. Uma coisa que nos mercados mais maduros já é uma realidade concreta é a mudança dessa forma de comunicar, entrando na narrativa e na construção desse conteúdo, e ser inserida de forma orgânica. E faz parte da equação do financiamento de um projeto você ter uma marca participando daquilo.

MODELO DE NEGÓCIO
No Brasil, a gente ainda depende excessivamente do incentivo fiscal e não trabalha o ponto de vista do retorno sobre o investimento da marca dentro daquele conteúdo. Esse é um mindset que é importante mudar. A Ancine tenta facilitar essa conversa. É um ciclo de amadurecimento tanto para marcas no Brasil, que ainda não têm essa cultura, tanto para o produtor e para o canal, algo que já é realidade lá fora. A série House of Cards é uma propriedade que tem 135 ações de marcas pensadas. Você tem ali um pensamento de conexão por personagem, episódio e sequência.

INVESTIMENTO TECNOLÓGICO
A cadeia do audiovisual é muito complexa. Ainda mais hoje que navega muito conectada com a tecnologia. Quando a gente vê essa integração do entretenimento com conteúdo e mídia com tecnologia, o crescimento é exponencial em termos econômicos. As plataformas de vídeo sob demanda como Netflix são exemplos disso, assim como a Apple, o Google com o YouTube, a própria Disney e a Amazon.

TENDÊNCIAS DE MERCADO
Quando a gente vê esses investidores de capital empreendedor, sobretudo os fundos de venture capital e private equity, eles têm investimento em fundos de economia criativa muito relevante. Hoje nós já temos uma classe de investidores privados que olham esse setor de tecnologia aliada ao audiovisual de maneira mais próxima. Mas o mercado tem crescido a taxas muito altas, uma média de 9% ao ano nos últimos dez anos. Isso não pode ser ignorado. O que ocorre é uma falta de conhecimento em relação a esse crescimento, que é pujante e global. O Vale do Silício não está do lado de Hollywood por acaso. A forma de se empreender no mercado de tecnologia é muito semelhante aquilo que é feito na economia criativa do audiovisual.

INOVAÇÃO
O nosso objetivo com o Fundo Setorial do Audiovisual agora é ter um olhar de investimento mais forte na infraestrutura tecnológica, algo que já era feito, que atualmente a gente acelera em outras áreas, como pós-produção, efeitos especiais, realidade aumentada e virtual, além do mercado de games e de animação. Pensando nisso, a gente traz o investidor privado porque ele já está olhando para isso. Há grande inovação tecnológica para se difundir, produzir e finalizar. Ela pode surgir em qualquer lugar do mundo, inclusive no Brasil, que tem uma base muito boa. É lógico que empreender aqui é muito difícil, o que nós queremos é dar um olhar mais efetivo para isso e dialogar com o investidor de tecnologia.

FUTURO
O Brasil é uma potência na internet. Somos o segundo país do mundo em inscritos e views no YouTube. É um dos três maiores assinantes do Netflix, o segundo youtuber com mais inscritos é brasileiro. O terceiro canal de música do mundo do YouTube é do KondZilla. Temos a capacidade de fazer nossa cultura se espalhar. Tomara que ainda dentro da minha gestão como presidente da Ancine, até 2021, a gente consiga cumprir esse objetivo de ter um filme no Oscar, como foi Cidade de Deus lá atrás. Nós queremos ter essa relevância, uma vez que no mercado internacional, com os filmes de cinema de autor, a política da Ancine está conseguindo colocar os brasileiros de uma maneira relevante. Agora a questão é mudar de patamar em termos de valor de produção das obras, daí a gente consegue trabalhar diversidade de gênero nos conteúdos mais complexos, como thrillers policiais, de ação e ficção científica, que demandam um valor de produção maior.

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