Uma vez, na Thompson, nós criamos um filme para a De Beers (um diamante é para sempre…) que se passava num farol marítimo.

Era uma cena romântica com um casal que namorava sob o farol, num fim de tarde. Quando o sol ia se pondo, o rapaz tirava do bolso um anel com um puta de um diamante e enfiava no dedo dela.

Sem jogo de palavras, por favor. O anel era dele, o dedo dela, tá?

Daí, o resto vocês imaginam: um enorme de um beijo, close no diamante, a luz do sol se fundia com a luz do diamante, o clarão dominava a tela, a música subia e entrava a assinatura do cliente.

Ah! Em tempo! Estávamos em plena ditadura militar, a pior fase. A explicação tem importância de agora em diante.

Ocorre que o diretor de arte do filme achou o farol de Ponta Negra, no Rio de Janeiro, meio derrubado. E resolveu pintá-lo.

Até hoje não sei por que na hora de escolher a nova pintura, eu (o grande babaca) dei a ideia de fazê-la em quadrados vermelhos e brancos.

O que eu não imaginava era que desenho de farol tem algum significado para a navegação, assim como a intermitência da luz, etc. e tal.

Bem, pintamos o farol (ficou uma gracinha), fizemos o filme e deixamos a nova decoração como um presente à Marinha Brasileira.

Pra quê? Deu o maior rebu. O farol, viadíssimo, todo pintado de quadradinho quase avacalha toda a navegação no Sudeste brasileiro.

Pilotos de navios não conseguiam entender que merda era aquela.

De uma hora para outra aparecia num acidente geográfico, um pirocão todo decoradinho, inteiramente em desacordo com as normas internacionais.

Choveram reclamações.

A paranoia da época chegou a pensar em sabotagem comunista. Moscou resolvera invadir as nossas praias. Ou Cuba.

E o primeiro passo seria esculhambar nossa sinalização.

Mais ainda: os perigosos comunistas resolveram ridicularizar as Forças Armadas sugerindo que os homens do mar brasileiros fossem boiolas.

O pobre do fuzileiro naval que deveria guardar o farol foi preso. Acabou entregando o produtor do filme, que entregou o diretor de arte, que me entregou.

Como se diria na época, caímos todos. Eu só não fui realmente em cana porque sou macho.

Fugi pela janela da Thompson tão logo o jipe da Marinha surgiu no pátio.

Graças a Deus, o pai de um estagiário era almirante e a gente conseguiu negociar a repintura do farol, salvando assim o tráfego marítimo nas nossas águas.

E as nossas peles.

O único que quase apanhou foi o diretor de arte. Diante do tenente aos berros, que queria saber quem tinha feito aquela palhaçada, ele revirou os olhinhos, pôs as mãos na cintura e reclamou:

“Você é muito mal agradecido.”

Também acho. Farol decorado com quadradinho compõe mais naquela paisagem.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor