Semana passada eu contei aqui duas histórias de bastidores sobre o tigre da Esso. O assunto rendeu. Muita gente me escreveu relembrando casos ocorridos em filmagens que valeriam crônicas. A todos agradeço e vou publicar aos poucos, já que o assunto é inesgotável. Mas ficando na área de bichos, vou do tigre a elefantes, aproveitando o gancho dos animais ditos selvagens. Para lançar uma série de fascículos sobre bichos da floresta para a hoje Editora Globo, tivemos a ideia de gravar um comercial cujo garoto ao ler a revista se via cercado pelos animais, vivendo no seu quarto a aventura de conviver com um elefante. O importante não é o filme, aliás, premiado, mas o que ocorreu nos bastidores. Já me acusaram de exagerar as coisas, só para ter motivo de escrever. Mas eu juro que neste caso vou tomar o maior cuidado para me ater à verdade, nada mais do que a verdade.

O roteiro, esquecendo o fato de ter um elefante ao vivo, era simples. Apenas um garoto que, ao ler a publicação, se sentia transportado à floresta, convivendo com um elefante. Sentado em sua cama, ele ia vendo as ilustrações, até que uma tromba o ajudava a virar a página. Coisa que com os computadores de hoje é meio fácil, mas na época o mais razoável era fazer ao vivo, com um elefante de verdade. Naquele tempo todo circo tinha animais e no Rio de Janeiro estava montado o Gran Circo Tihany, que tinha como atração uma família inteira de paquidermes, capazes de quase tudo, inclusive fazer contas e dançar valsa. Numa quadra de esportes de um Ciep montamos o cenário do quarto do menino.

A cena a ser filmada era curta. Um close do livro, a mão do menino virando a página, entra a tromba, vira a página, o garoto olha para cima depois um plano dos dois – elefante e menino – no quarto olhando um para o outro. O texto dizia alguma coisa como “leve os animais para seu filho conhecer”. Só que faltou alguma coisa durante a filmagem e a moça da produção encomendou para um fornecedor, pedindo para ele entregar no endereço do tal Ciep. Tudo bem, eu mesmo recebi a encomenda pedida, a filmagem prosseguiu. Uma hora depois fui chamado por alguém da produção, pois na porta havia um grupo de motoqueiros querendo falar com o gordo barbudo que veio receber uma encomenda de um deles. Ou seja, eu.

Fiquei imaginando que tinha esquecido de pagar ou fizera alguma coisa muito errada para provocar a ira da comunidade motoqueira. Chamei dois seguranças e fui ao encontro deles, preparado para o pior. Ao me encontrar com eles, fui tratado com cortesia: “O senhor me desculpe – disse o que me trouxe a encomenda –, mas eu contei para meus colegas que tinha um elefante e um garoto lendo na quadra e estão dizendo que eu não deveria me drogar durante o expediente. Como eu não uso drogas, queria que o senhor mostrasse a eles que tem um elefante lendo na quadra”. Meu lado mau caráter me aconselhou a dizer que ele deveria mesmo ter fumado maconha. Mas eu sei na pele o que é ser vítima de bullying. E levei a turma para ver o elefante.

A outra é também ligada à Editora Globo. Desta vez a coleção de fascículos era Guerra, que narrava os maiores conflitos armados na história moderna. Desta vez não tinha o garoto, mas saiam das páginas dos fascículos soldados de vários exércitos que se perfilavam diante do espectador. O problema aí foi que a fumaça que saía das páginas dos fascículos por um erro qualquer acabou atingindo os olhos dos atores. Preocupados, resolvemos levá-los ao Miguel Couto, na época o melhor lugar de emergências no Rio de Janeiro. Pois imaginem a cena na porta do hospital. Chegam duas Kombis com soldados alemães, russos, brasileiros, americanos, ingleses, de olhos vermelhos, se encaminhando para a emergência. Não havia celulares, mas muita gente correu para os telefones avisando os jornais. Claro que as redações só começaram a acreditar na história depois de muitos telefonemas. Só mesmo uma alucinação para alguém imaginar que, de uma hora para outra, os feridos da Segunda Guerra voltaram para se medicar no Miguel Couto.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)