O juiz observa os jogadores em campo, consulta o relógio e apita. Começa o jogo. Logo em seguida ouve-se um grito vindo da geral: “juiz ladrão!” No campo de futebol as pessoas botam para fora o que têm guardado no peito. Fazem coro, choram, xingam o adversário. Torcer não é pensar, é extravasar a dor da vida. Numa disputa de bola, o lateral entra pesado sobre o centroavante e o aleija. Um torcedor berra: “sacrifica esse puto e enterra aí mesmo!” Provavelmente no dia a dia ele é um pai de família, um zeloso funcionário. Mas ali no campo vira uma besta fera. Ele quer sangue. Protegido pela certeza de que não precisa prestar contas do que fala, o torcedor agride jogadores e a torcida adversária com as palavras mais vis que seu vocabulário pode encontrar. É uma terra sem mães decentes, pois elas comparecem na arena com os mais exóticos predicados. Puta é quase um lugar-comum, um mimo. Mãe no campo de futebol existe unicamente para ser achincalhada. Não há homens na torcida contrária. Só viados e bichas xexelentas, além de cornos. E esse ódio contra jogadores e torcida adversária vai até a hora que o próprio time começa a perder.

Daí entram na dança o imbecil do técnico, o goleiro vendido e toda a diretoria, um bando de ladrões estúpidos sem nenhum amor ao clube. Se alguém obedecesse às ordens emanadas da plateia, os proctologistas teriam muito trabalho para retirar após cada partida o apito do lugar que a horda manda os juízes colocarem. Acho que as redes sociais se equivalem a um campo de futebol, um lugar onde qualquer tipo de pudor ou civilização é posto de lado.
Digo isso porque não quero admitir que as pessoas sejam como se mostram pela internet. Gostaria mesmo de imaginar que exista na vida diária um cidadão diferente do que encontro nos Facebooks da vida, tal como acredito que os furibundos de estádio sejam na relação interpessoal. “Quero que o Jean Wyllys morra”, “Lula devia apodrecer na prisão”, “tem de tocar fogo em todos os presídios e matar todo mundo lá dentro”, “os judeus vieram aqui para espionar”. Na internet se pede pena de morte, genocídios organizados, espalha-se mentiras e destroem-se reputações. Tal como um maluco de arquibancada que se sente capaz de organizar um esquema tático muito melhor que o técnico do time, nas redes sociais todo mundo entende de tudo, opina sobre tudo e tem soluções para a política, para a vida e para a morte. Não é possível existir a velha arte da conversação. “O amigo me desculpe, mas discordo de sua posição” inicia um “isto porque você não passa de um petralha de merda” responde o outro. “Nazista mau-caráter e escroto” é a resposta. Daí a requisitar a mãe na zona de meretrício é um pulo.

Os milhares de blogueiros em ação no país não cansam de ter um furo para o qual pedem atenção especial. E falam que foram os venezuelanos que explodiram as barragens, todo médico cubano tinha protocolo a ser cumprido com mapeamento das possibilidades de subversão, Bolsonaro vai intervir nas comissões de agência de publicidade, ninguém mais assiste a Globo, Jean Wyllys teve caso com o esfaqueador do Bolsonaro. Tudo isso com fontes e links fajutos para veículos respeitáveis. Quem não recebeu notícias como estas, muitas vezes em meio a outras com aparência de verdade?

Como as pessoas têm imensa preguiça de pesquisar, muitas vezes as afirmações mais enlouquecidas vêm acobertadas por aspas que partem de especialistas no assunto. Como recente pesquisa da Universidade de Cambridge aponta, o internauta médio tende a acreditar mais nos sofismas transmitidos pela rede do que na vida diária, “offline”. Ou como disse o professor Richard G. Watson, da Universidade de Riverstone, considerado a maior autoridade em comunicação digital no meio acadêmico, “está provado que os algoritmos buscam encontrar o grau de irritabilidade de cada internauta, para alimentar seus recalques da mesma maneira que se treina um pitbull ou um galo de briga. “Dê-nos um recalcado, diz o CEO da IVCTRU – agência ucraniana de Mobilização de Redes Sociais – que nós criamos um criminoso conectado”.

Segundo ele, uma ração de ódio e agressividade transforma em dois meses uma pessoa num psicopata digital, prazo este que depende apenas do grau de ressentimento preexistente. Claro que fui eu que inventei essas pesquisas. Mas parecem mesmo de verdade, não? Compartilhe.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)