Havia planejado escrever sobre o jornalismo, aproveitando o Dia do Jornalista, comemorado há cerca de uma semana. Aí veio o dilúvio no Rio de Janeiro, que me pareceu quase inevitável como tema. Aí prenderam Julian Assange, na semana passada, o jornalista fundador da WikiLeaks, que ficou sete anos “exilado” na embaixada do Equador, em Londres. Na ressaca da enxurrada carioca, de alguma forma aquela prisão me tocou especialmente. Foi uma coincidência no mínimo curiosa Assange ter sido preso justamente na semana em que se comemorou o Dia do Jornalista. Ele foi um dos primeiros ciberativistas do mundo, e colocou grandes potências em check numa época em que havia poucas oportunidades e recursos para se fazer isso. Sua proposta era radical, e extrapolou limites éticos.

O WikiLeaks foi criado na Suécia, em 2006, para divulgar documentos confidenciais de governos, e montou uma grande rede de colaboradores anônimos. Ganhou notoriedade mundial até que, em 2010, divulgou um volume surpreendente de informações confidenciais do governo americano, entre os quais a cópia de um manual de instruções para tratamento de prisioneiros de Guantánamo, em Cuba. Foram incontáveis os documentos sensíveis publicados nas páginas do site ao longo dos anos, que chegou, imagine só, a ser indicado ao prêmio Nobel da Paz em 2011.

Sobre a prisão de Assange, que corre o risco de vir a ser extraditado para os EUA, o atual editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, disse se tratar de um dia obscuro para o jornalismo, pois – segundo ele – a prática de publicar fatos se chama jornalismo. A advogada Jennifer Robinson declarou que a possível extradição de Assange para os EUA é um precedente perigoso para o jornalismo como um todo, pois significa que um jornalista pode ser processado por publicar informações verdadeiras sobre os Estados Unidos. Há quem argumente que o que Assange praticava não era jornalismo. Afinal, ele apenas publicava – sem checar ou consultar ninguém – o que fontes lhe forneciam (certamente por vias pouco ortodoxas). Mas nada do que ele publicou era fake news. Era tudo verdade, e isso incomodou um bocado de gente.

O caso de Assange é complexo e tem muitas nuances. Há várias acusações sobre ele, e muitas não foram comprovadas. Eu o enxergo como um personagem do nosso tempo, nem vilão nem santo, que desperta reflexões importantes não só sobre o papel do jornalismo, mas principalmente sobre o uso da “máquina de espionagem” (definição do próprio Assange) chamada internet. O WikiLeaks me lembra uma frase atribuída a George Orwell: “Jornalismo é aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”.

Desde o confinamento de Assange, muita água rolou e, se pensarmos bem, graças à potente máquina de espionagem que nós mesmos criamos, passamos a viver quase que um episódio de WikiLeaks a cada par de meses. No mundo em que eu vivo, limites éticos são extrapolados quase que diariamente, jornalistas são perseguidos e mortos, as fake news se multiplicam, informações e gravações de conversas telefônicas privadas são divulgadas sempre que politicamente conveniente, políticos e grandes empresas fazem o que querem e seguem impunes. Vejo o bom jornalismo como uma espécie de porto seguro neste caldo saturado de superficialidades, fake news, achismos e “verdades”, sobrevivendo na corda bamba e na sofrência da falta de verbas, fruto da indecisão a respeito de quem, afinal de contas, pode e deve pagar a conta. E confesso que a condenação de Assange me parece, por vezes, quase anacrônica, diante da enxurrada de desacertos éticos e impunidades que nos rodeia.