A revolução industrial sacudiu o mundo entre os séculos 13 e 14, um processo muito semelhante ao que estamos vivendo hoje com a revolução digital. As semelhanças são muitas, inclusive a negação por alguns setores da sociedade que insistem em se contrapor às mudanças. O mesmo aconteceu em Londres, quando alguns funcionários se reuniram para sabotar os equipamentos que estavam roubando seus empregos, e ficaram conhecidos como “os quebradores de máquinas”. Como sabemos, não foram bem-sucedidos, afinal estavam se contrapondo à lógica do capitalismo de produzir mais a um custo cada vez menor. É a inevitabilidade de um rio que corre para o mar.

Mas isso foi na Europa do século 8, o buraco agora é um pouco mais embaixo. Entender quem está na “linha de tiro” é importante, pois pode guiar as tomadas de decisões de quem está à frente dos negócios. As variáveis são muitas, mas se tivesse que escolher uma palavrinha, ficaria com a desintermediação. Segundo o dicionário, é o processo pelo qual a empresa se aproxima do cliente sem a figura do intermediário. Mas, a meu ver, esse conceito pode ser ampliado e nos ajudar a entender o atual cenário. Numa visão resumida da situação, podemos afirmar que quem estiver no “meio”, tende a desaparecer. O que não faltam são exemplos, vamos olhar ao nosso redor. Cooperativas de táxi? Praticamente foram extintas. Agências de turismo, agências bancárias, despachantes, shopping centers, lojas físicas, jornais. Todos que atuavam no “meio”, estão sofrendo com as mudanças atuais. Podemos estender essa tese para outros setores, vejam que o nosso congresso vem sofrendo dos mesmos males. É cada vez mais comum vermos deputados votarem de acordo com a vontade popular, promovendo enquetes no Face, uma coisa inimaginável há alguns anos. Na China, o WeChat ou “wei shin” já ultrapassou a barreira de mais de 1 bilhão de usuários. Nele é possível fazer de tudo desde pagar as contas, enviar mensagens, chamar um táxi ou pedir comida. Não à toa, seu valor de mercado acaba de ultrapassar a marca de US$ 500 bilhões, ficando à frente do Facebook. Como podemos concluir, a desintermediação não escolhe suas vítimas, basta estar entre o princípio e o fim.

E o que falar das agências de propaganda, que nasceram intermediando as relações entre anunciantes e veículos? Não é difícil entender por que ano após ano estão perdendo espaço e receita numa velocidade assustadora. Promovem cortes consecutivos em suas estruturas, mas seguem agonizando, como um paciente que trata apenas os sintomas sem combater a doença. Seguem vítimas de um modelo de remuneração ultrapassado, possuem competência, know-how, mas estão onde não deveriam estar: bem no meio. Google, Facebook, LinkedIn, as plataformas digitais escancararam as suas portas para os anunciantes. As interfaces estão cada dia melhores e mais intuitivas, não é preciso ser nenhum expert em mídia para anunciar, o valor agora está na inteligência embarcada nas estratégias, no conhecimento profundo dos meios. Modelos de inteligência artificial são aprimorados a cada dia, novos algoritmos e métricas ditam as dinâmicas nas redes e orientam os usuários e suas escolhas, nesse território provavelmente mora a segunda onda de toda essa transformação.

Nada disso faz parte de uma estratégia maquiavélica de dominação dessa ou daquela plataforma, como preferem acreditar alguns. A missão da Amazon não é acabar com os varejistas, o Google não nasceu para dominar o mundo (talvez vá), trata-se apenas do fenômeno da desintermediação. Esse processo vai continuar a despeito de nossas vontades. Mas não é o fim, estamos apenas vivendo uma metamorfose, fato é que quem estiver no meio deve pensar para que lado correr.
O tema é atual, mas a retórica é antiga: na briga entre o mar e o rochedo, quem se ferra é o marisco.

 PH Gomes é sócio da Greenz, empreendedor e cervejeiro