Há muito tempo eu tive de fazer uma reunião em Volta Redonda. No dia seguinte deveria ir a Mogi das Cruzes participar de uma convenção das agências de publicidade que atendiam a Volkswagen. Descobri que era muito mais fácil pegar um ônibus executivo que percorre a Dutra nesse trajeto do que voltar ao Rio, ir de Ponte Aérea para Congonhas e depois seguir para Mogi. Portanto, numa gloriosa tarde de quarta-feira, me aboletei numa poltrona semileito da viação Sampaio que faz o trajeto Volta Redonda – Mogi das Cruzes, passando por muitas cidades do Vale do Paraíba. Foi, confesso, uma deliciosa viagem, num ônibus limpo, cheiroso, com ar-condicionado e numa velocidade civilizada, conduzido por um motorista/relações públicas extremamente educado.

Nada a reclamar, nem mesmo do posto de gasolina em que o ônibus parou para o almoço, que oferece o maior e mais maluco buffet que jamais eu vi. Na base dos cinco cruzeiros cada 100 gramas, tinha de sushi a rabada, dobradinha e quibe, suflê de palmito e mocotó. Uma suruba gastronômica incrível, mas até que comível, desde que se mantenha uma certa coerência. O feijão, por exemplo, era uma quase obra-prima, embora eu não tivesse encontrado coragem para degustar as ostras, a maionese e o salpicão de galinha. Para beber, tudo que se pudesse imaginar. Cerveja, vinho, todos os refrigerantes e sucos, leite, chás e até água. Caminhoneiros, famílias e solitários passageiros de ônibus disputavam alegremente um informal concurso de bizarrice alimentar, misturando macarrão, feijão, lasanha e rissoles. E uma fatia de tomate para dar cor.

O banheiro, limpíssimo, ostentava o classudo e inevitável aviso de todos os banheiros brasileiros: “Favor não urinar no chão”. Um velhinho miúdo e triste ficava de plantão, com uma vassoura por perto, pois alegria de brasileiro é mijar fora do mictório. Voltemos ao coletivo, como diria Adoniran Barbosa.
Depois de quatro horas de cochilos e meditações, desembarquei na rodoviária de Mogi das Cruzes, em busca de um táxi que me levasse ao Blue Tree Resort, um super-hotel nababesco, destinado aos amantes do golfe e convenções da mais alta classe. Hoje estou meio colunista social que recebe jabá, elogiando tudo, mas posso garantir que não estou ganhando nada nem do posto de gasolina, nem da Viação Sampaio e muito menos do Blue Tree.

É bem verdade que por uma grana sou capaz de dizer que gosto mesmo é da Cometa, adoro a comida do Bob’s e o único hotel que eu frequento com prazer é o Íbis. Tudo uma questão de acertar o pixuleco, como é moda hoje em dia. Voltemos à rodoviária. De lá peguei um táxi e, com voz autoritária, mandei seguir para o Blue Tree. O motorista voltou-se para mim, olhou meu jeans velhinho e afirmou: “Vai ficar uma nota, pois é depois do perímetro urbano. Tudo bem?” Não entendi a dúvida, mas afirmei que estava tudo bem. E fomos indo.

Minutos depois, o motorista me perguntou, cheio de dedos: “O senhor joga golfe?” Eu disse que não. Ele deu um tempinho e voltou: “O senhor conhece o Blue Tree?”. Novamente eu neguei. Ele começou a ficar preocupado. “Quem lhe recomendou esse hotel? O senhor sabe quanto custa?” Eu disse que quem marcou o hotel foi a Volkswagen, e nessa hora quase deu pra ouvir seu suspiro de alívio. Ele não estava correndo riscos. Mas continuou curioso, pois me perguntou o que eu fazia na Volks.

Fui obrigado a dizer que trabalhava numa agência de propaganda que atendia a associação dos Revendedores Volkswagen do Rio de Janeiro. Ele tentou entender: “O senhor é publicitário, trabalha para a Volkswagen e veio para uma convenção no Blue Tree, certo?” Eu disse que sim. Ele aproveitou um sinal vermelho, olhou demoradamente para mim e fez a derradeira pergunta, com ar de profundo sarcasmo:

“E veio de ônibus?”.

Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor