Algo me diz que eu já contei esta história. Mas eu tenho dois grandes defeitos: memória e arquivos completamente bagunçados. Algumas vezes eu começo a relembrar de coisas para os amigos e minha mulher reage: “Outra vez?” Os mais generosos fingem nunca ter ouvido ou dizem querer ouvir de novo, gestos de extrema gentileza e, principalmente, piedade. Em ambos os casos, agradeço. Parodiando o imortal Costinha, deixa eu interromper a história para contar outra. Um amigo uma vez deu como exemplo de finura e delicadeza a reação de um sujeito que numa festa abriu a porta do banheiro e se deparou com uma senhora sentada ao vaso. Sua reação foi imediata. Disse com voz segura: “Perdão, cavalheiro” e fechou a porta. Eu daria um braço para ter esta presença de espírito. Voltando ao caminho que vinha vindo, não sei se já contei a história da campanha que fizemos para a Associação dos Shopping Centers do Rio de Janeiro. Se contei já faz tanto tempo que nem eu me lembro de tê-lo feito. Então vamos lá.

A nossa agência atendia a conta do mais charmoso shopping do Rio à época, o Fashion Mall, e por este motivo fomos convidados a apresentar uma sugestão de campanha para uma liquidação conjunta que todos os shoppings iriam fazer, com a intenção de aumentar o movimento que andava meio caído. A ideia era da Associação dos Shoppings do Rio e foram convidadas a participar da concorrência as agências que atendiam os associados. Além da grana muitíssimo bem-vinda, todo mundo queria fazer uma campanha que fizesse sucesso. Nós promovemos um brainstorming com direito a palpite de todos. Tínhamos a pretensão de inventar algo novo, revolucionário. Como toda a reunião desse tipo, as primeiras ideias eram completamente insanas. Surgiram sugestões de se fazer um concurso dando como prêmio um jacaré vivo, um apartamento na Praia Grande, em São Paulo, ou 200 quilos de maçanetas de Kombi. Também se cogitou em fazer concurso de strip-tease nas praças de alimentação, sexo grupal e cerimônias ecumênicas. “Troque seu guarda-roupa e salve sua alma no mesmo dia” era um dos títulos pensados para a promoção.

Tudo parecia banal até que alguém se lembrou que o excelentíssimo senhor prefeito da cidade, César Maia, era chamado de louco pelos adversários políticos. De fato, o nobre alcaide parecia não bater bem. Foi uma época que ele entrou em joalheria e pediu sorvete, só vestia jaqueta em pleno verão carioca e quase afogou uma velhinha na praia. Achamos que poderíamos chamar o prefeito para ser garoto-propaganda e batizar a promoção de Liquidação Maluca. Rimos muito do absurdo. Mas, como fui eu o engraçadinho dono da ideia, alguns puxa-sacos começaram a achar que a sugestão não era tão imbecil. Até porque era impossível. Mas com o tempo se chegou à conclusão que, se houvesse a menor possibilidade de realizá-la, seria genial. Pensando bem, o absurdo não era total, pois seria para o bem do comércio da cidade e, de certa forma, admitir uma dose de loucura poderia parecer simpático ao prefeito. Provando que loucura pode ser contagiosa, criamos as peças todas, com fotos de arquivo, e pedimos uma audiência com César Maia. Tudo era, realmente, coisa de doido. Tinha anúncio onde ele dizia que era “louco pelo Rio” e comerciais de TV nos quais ele garantia que “só maluco fica de fora desta liquidação”. E, democraticamente eleito pelos queridos colegas, como homenagem à minha capacidade de criação, me encarregaram de apresentá-la ao César Maia. E eu fui.

Na sala de espera tive certeza que ia apanhar do prefeito. E, ainda por cima, preso por desacato. Mas, reuni coragem e mostrei a campanha, preparado para sair correndo caso a reação de César fosse a mais normal. Pois para minha surpresa e alívio, César não só aprovou como achou que o tema seria ótimo para sua imagem. Chamamos a produtora e naquele dia mesmo o filmamos na sala de trabalho. Ele chegou a improvisar, dizendo que ia comprar uma jaqueta nova. Levamos tudo pronto para a concorrência e – evidentemente – até as outras agências acharam que não podia haver nada melhor. Quando a campanha foi ao ar, tivemos primeira página em todos jornais do país, explodimos em todas as mídias e não se falou de outra coisa na cidade. O prefeito afirmando “depois dizem que o maluco sou eu” deve ter aparecido no mundo inteiro. Foi sucesso de vendas e de votos para o César Maia, que foi reeleito. Uma prova de que às vezes há loucuras que vêm para o bem.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)