“Basta um erro para anular o efeito de mil acertos.” Atribuída ao filósofo chinês Hi-Chang-Tzu, a frase resume com perfeição a mancada histórica que marcou a 89ª cerimônia do Oscar, na noite do último dia 26. Por 83 anos, a PricewaterhouseCoopers , uma das gigantes mundiais das áreas de auditoria, consultoria e assessoria, acompanhou o processo de votação, tabulação e entrega dos resultados do prêmio de maior prestígio da indústria cinematográfica. Neste ano, porém, falhou. E falhou feio: diante de uma plateia de quase 33 milhões de telespectadores, só nos Estados Unidos.  

Entenda: o business da PwC é conceder a própria credibilidade aos mais variados processos organizacionais, desde balanços financeiros a fusões e aquisições de grandes companhias. Ao lado da Deloitte, Ernst & Young e KPMG, é uma das “Big Four”, o quarteto seleto das maiores empresas de auditoria do mundo. No caso do Oscar, a multinacional chancelava todo o processo de premiação, que tinha início na contagem dos votos dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, passava pela entrega dos envelopes aos apresentadores da vez e terminava no anúncio dos nomes dos vencedores. Sem máculas, fez isso por 83 anos.

O episódio certamente seria menos impactante se o cliente não tivesse a importância cultural que tem, e se o escopo da empresa não fosse a ideia de confiança. A PwC conseguiu desacreditar o seu principal produto, a  credibilidade, e por tabela a própria reputação centenária. “O nosso propósito é construir confiança na sociedade e resolver problemas complexos. Trabalhamos para entender e mitigar os riscos internos, externos e em constante mudança que o negócio enfrenta no dia-a-dia”, defende a empresa no site da operação brasileira.

Num cenário de crise, é fundamental se posicionar rapidamente, sob risco de esfacelamento do mais importante patrimônio da marca: a reputação.  A capacidade de assumir as responsabilidades é crucial para reduzir o impacto negativo da situação. E foi exatamente o que a companhia fez:

 “A PWC assume inteira responsabilidade sobre a série de erros e desvios de protocolo que aconteceram na noite do Oscar. O parceiro da PWC Brian Cullinan erroneamente entregou o envelope reserva de melhor atriz em vez do envelope de melhor filme para os apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway. Assim que o erro ocorreu, protocolos de correção não foram seguidos com velocidade suficiente por Cullinan e sua colega”, afirmou parte da nota divulgada pela empresa no dia seguinte à cerimônia do Oscar.

Segundo Paul Argenti, referência mundial em comunicação corporativa, a identidade de uma companhia é o conjunto de atributos que transmitem a sua mensagem. Para o especialista, é a partir da difusão dessas qualidades que uma organização oferece elementos para que o público forme um conceito ao seu respeito. Essa concepção caracteriza o que se convencionou a chamar de imagem, que pode ser positiva, neutra ou negativa. A crise nada mais é que a perda de confiança na relação que a entidade estabeleceu com os seus públicos estratégicos de interesse . Na prática, é o momento em que as ações deixam de se identificar com o discurso.

Quando a PricewaterhouseCoopers afirma que o seu “propósito é construir confiança”, mas, na prática, comete uma “série de erros e desvios de protocolo”, a fala destoa das próprias atitudes. Ou seja: se contradiz. E quando a incoerência ganha repercussão a partir de uma falha monumental, transmitida ao vivo para milhões de pessoas, a crise está instalada.

Felizmente, há solução.

Como proceder em momentos de crise de marca?

Se antecipando ao problema. Ou seja: criando um plano de ação identificando os mais prováveis gaps. “Simule o pior cenário e prepare-se para ele. Em momentos assim, a falta de planejamento e a adrenalina gerada pelo desconhecido poderão gerar atitudes desastrosas que, muito provavelmente, você se arrependerá depois”, ensina Carlos Miranda, presidente e fundador do Private Equity BR Opportunities.

“Coloque como prioridade a defesa do seu nome e de sua credibilidade, antes do seu patrimônio pessoal. A ética deve estar antes de tudo. Você pode até garantir algum dinheiro com uma estratégia focada apenas em preservar seus bens materiais, mas lembre-se: muito provavelmente você será penalizado, principalmente quando tiver outros projetos que dependam de sua credibilidade. Tudo o que você fizer irá alastrar-se rapidamente. Hoje em dia, não só os jornais mas também as mídias sociais conseguem fazer com que um assunto ou uma percepção tome vida própria rapidamente”, completa Miranda.

Se a empresa for rápida em reconhecer o problema, transparente ao lidar com ele e ágil na sua solução, não apenas poderá reconduzir a imagem ao patamar original de confiança, como, inclusive, também será capaz de melhorá-la. Tudo vai depender da estratégia adotada. Ela possibilitará sair da crise, anular as adversidades e obter sucesso no jogo. “Tenha serenidade, mostre a sua cara, comprometa-se com a solução dos problemas e, acima de tudo, respeite as pessoas. Pode ter certeza que, se seguir essa fórmula, você ainda terá muitos anos pela frente”, finaliza Carlos Miranda.

Será que a PwC vai conseguir?

Provavelmente, sim, já que tem história, expertise e credibilidade para isso.

Só não pode incorrer no mesmo erro, pois ele “anularia o efeito dos outros mil acertos”.

Ficaremos na torcida, pela empresa e pelo famoso cliente. Porque o show, afinal, não pode parar.

And the Oscar goes to…

Gabriel Santacreu é sócio-fundador e diretor de atendimento da Agência 242