Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions: a criatividade em nova direção. Quando comecei a frequentar o então Festival Internacional do Filme Publicitário em 1988, a criatividade aplicada à publicidade tinha um caminho reconhecível e premiado: filmes que contruíam marcas e seus valores mercadológicos pela capacidade de entreter, informar, convencer e encantar seus consumidores. Tudo isso de uma maneira impactante, forte e sempre, inédita. Você queria ver de novo, porque era gostoso ver. Porque você nunca tinha visto nada igual antes.

Essa criatividade está na base dos mais exitosos cases de branding mundiais, muitas destas marcas de tal forma aceitas e incorporadas pelas audiências de todo o mundo, que é como se os consumidores lhes tivessem concedido um mandato para que as marcas pudessem expressar o discurso social, em nome deles.

Coke, Pepsi, Hallmark, VW, BMW, Guiness, Stella Artois, McDonald’s, Burguer King, Kodak, Apple, Absolut, Nike, Adidas são marcas que nos faziam ficar na fila do long-list todas as manhãs para poder desfrutar o que a criatividade poderia fazer em 30 ou 60 segundos.

Até que, em 2008, Cannes nos surpreende concedendo dois GPs na categoria Film. Um dos GP foi para o comercial Gorilla, da Fallon London para Cadbury. O júri não poderia deixar de premiar esta verdadeira obra-prima, um clássico dos comerciais de todos os tempos.

Mas, também recebeu o GP de Film, uma  peça de publicidade que não era um filme publicitário clássico. Era um video-case, um documentário, uma pauta de jornalismo, uma “coisa”, como eu chamei a peça Halo3 num artigo da época, uma imensa campanha de lançamento da Microsoft para a nova versão do seu game de maior sucesso. O júri de Cannes premiou o comercial, mas principalmente reconheceu todas as outras plataformas de PR, ponto de venda, marketing digital e até a construção de um museu em miniatura, com todos os cenários das batalhas do game.

Essa “coisa” gerou US$ 170 milhões no primeiro dia de vendas nos USA, alcançando um resultado total de 8,1 milhões de unidades vendidas em todos o mundo, o maior sucesso de vendas da história dos games.

A partir daí, Cannes mudou e a criatividade não poderia mais ficar confinada aos 30/60/90 segundos de um comercial ou em qualquer outro suporte gráfico. Ser criativo é gerar negócios, usar todas as plataformas e pontos de contato com o consumidor, usar a tecnologia para gerar resultado, promover o bem e tornar todos os produtos e serviços muito mais acessíveis.

 De 2008 para cá, vimos a ascenção do on-line que sequer pode ser, hoje, considerado uma “categoria”, já que não há mais nada que se comunique sem recursos de internet e redes sociais. As marcas descobriram que, não só podiam se comunicar com seus consumidores de forma mais eficiente, como passaram a contar com eles para divulgar e endossar seus atributos e valores, criando para eles, um capital social que podiam compartilhar.

A fase seguinte foi retornar ao “mundo real”. Se a tecnologia e os recursos de comunicação permitem essa conexão imediata e poderosa com os consumidores, como fazê-los agir no mundo real para solução de seus problemas e desejos de consumo, de forma responsável, ética e divertida?

Vimos os cases premiados em anos anterioes e veremos ainda mais este ano, a criatividade que começa no desenho do produto/serviço e vai até a entrega, o modelo de negócios e as possibilidades de compartilhamento. Ah sim, passa também pela comunicação e, eventualmente, por filmes e peça publicitárias.

De resto, o público de Cannes, em sua maioria, estará mais interessado em ver e acompanhar as 10 trilhas do programa do que ver filmes e peças, até porque tudo já está disponível, antes mesmo do festival abrir suas portas.

As premiações seguem sendo  o ponto alto do programa, porque são a forma mais concisa de se ver o que realmente está se fazendo no mundo todo e por isso, foram reconhecidas pelo júri pela sua excelência criativa.

O “novo” festival rola nas apresentações e palestras de especialistas e celebridades que vagamente se relacionam diretamente com a produção publicitária mas, curiosamente fazem parte integrante desta nova forma de fazer negócios. Porque são criativos em suas áreas de entretenimento, craft, tecnologia, esportes, inovação. E disso o mercado precisa como nunca, para poder atender às exigências dos consumidores.

A nova proposta inclui também (e valoriza muito) as possíbilidades de encontro, meet ups e oportunidades de network. Num mundo onde as parcerias não tem mais país de origem ou ligações empresariais que possam cercear a criatividade, Cannes é o melhor lugar do mundo para conhecer o que se faz e com quem fazer qualquer projeto ou iniciativa de negócios

Em resumo, você pode ir a Cannes para ver comerciais (vai ser difícil, mas consegue); para ver a produção publicitária de todo o mundo em vários formatos; para ver e ser visto. Mas pode também tentar (vai ser difícil, também) montar uma programaçào exclusiva para seus interesses e seus negócios, entre os mais de 500 palestrantes, expositores e principalmente seus próximos parceiros de criatividade.

Emmanuel Publio Dias é professor da ESPM e coordenador do Young Lions Creativity Program (epubliodias@gmail.com).