Visuais modernos e confortáveis, mesas de bilhar, pufes e fliperama. Muitas vezes o ambiente acolhedor das agências de propaganda contrasta com o clima de pressão, muitas horas de trabalho, pouco reconhecimento e até mesmo o assédio moral ou, em alguns casos, sexual. É evidente que tais problemas também estão latentes em empresas de outros segmentos, não se restringindo aos escritórios de publicidade. Tais questões delicadas ganharam destaque nos últimos dias com a viralização da segunda versão de uma polêmica lista de feedbacks sobre agências de comunicação.

A planilha “Como é trabalhar aí” destaca o dia a dia das empresas: com piadas, exageros, intrigas e relatos graves de assédio. Abaixo, Alessandra Costa, psicóloga especialista em casos de fraude, assédio e corrupção, fala sobre o assunto. A profissional é também sócia da S2 Consultoria, focada em compliance e na dimensão humana do risco. A seguir, ela esclarece algumas dúvidas com o intuito de orientar as agências que estão na lista e também os profissionais do mercado que buscam caminhos para a solução desses problemas.

Qual deve ser o primeiro olhar sobre esta planilha, tanto por profissionais que trabalham em agências quanto por donos de agências?

A grande maioria dos problemas relatados na enquete reforçam uma triste realidade do mercado de comunicação, em que a cultura do assédio e das extensas jornadas de trabalho ainda imperam. Porém, é preciso termos muito cuidado com as informações, pois:

1. Não há uma verificação e investigação das informações ali indicadas, então não saia por aí fazendo julgamentos precipitados sobre empresas que possuem uma excelente reputação.

2. A enquete não é um canal oficial de apuração de denúncias, ou seja, não há qualquer segurança por trás das informações.

3. Não existem regras, alguns comentários podem ser exceções.

O que um dono de agência deve fazer se a sua agência está na lista e com comentários negativos?

No caso específico da lista, recomendamos algumas ações:

Avaliar as denúncias de fraude junto à equipe;
Desenvolver e comunicar o código de ética;
Aplicar testes de integridade;
Estimular a cultura ética na organização;
Adotar ferramentas, tais como entrevista demissional para compreensão dos problemas envolvidos.

Explicando em detalhes: o primeiro passo é fazer uma apuração das denúncias de fraude. Contratar um especialista em compliance e entrevistas investigativas é um passo básico nesse processo. Ele vai entrevistar os seus colaboradores e entender o cenário atual da sua cultura organizacional. Casos denunciados também serão tratados de duas formas: com um realinhamento ético, baseado em entrevistas e compreensão dos valores da agência, e com treinamentos ou coaching ético.

O segundo passo é colocar em prática o código de ética. Caso a agência não possua o seu, é importante construí-lo, pois isso por si só já denota uma preocupação com o bem estar dos funcionários. Porém, não adianta fazer um “código de ética para inglês ver”: é preciso constantemente relembrá-lo e treinar os profissionais para que estejam alinhados com os valores da organização.

E os testes de integridade?

Os testes de integridade analisam a competência dos profissionais nos âmbitos técnico e intelectual, mas também a capacidade de resistência a pressões quando expostos a situações de conflitos éticos. Muitas coisas podem estar acontecendo nos bastidores da sua empresa (fraudes, assédio, corrupção) e você nem sabe.

Aqui na S2, quando aplicamos um teste de integridade com o propósito de entender se realmente há uma situação de assédio moral vindo de um diretor, por exemplo, não caímos na ingenuidade de fazer uma pergunta binária do tipo “você assedia moralmente os seus funcionários?”. Se um ser humano recebe esse questionamento, possivelmente vai responder “não”.

Porém, quando perguntamos “o que irrita você nos seus funcionários?”, temos respostas variadas desde “eles fazem corpo mole”, “eles têm preguiça” ou “eles ficam o dia inteiro no Facebook”. Assim, compreendemos as suas condicionantes e sua potencialidade de ocorrência. A análise deve contextualizar a realidade do profissional até o momento, com alinhamento de conceitos e do que é esperado na posição que se encontra.

Qual é a importância da entrevista demissional no processo?

Muito grande. Há técnicas para isso e o recomendado é que essa entrevista só aconteça após o desligamento, para que o profissional não se sinta ameaçado e já tenha deixado a poeira baixar após a sua saída.

Qual o caminho para quem quer denunciar casos de assédio na sua agência? Há riscos de usar uma lista como esta como fonte de desabafo? Quais podem ser as consequências?

Se você está pensando em denunciar, também precisa ter cuidado. Tudo o que fazemos na internet deixa rastros. Dependendo das mãos em que cair a lista fica fácil raquear o IP de quem respondeu. Por isso alguns cuidados:

Não minta e reúna provas das suas denúncias.

Procure formas de conversar com seus superiores ou sócios sobre as situações que está vivenciando.

Antes mesmo de aceitar a sua próxima oferta de emprego, busque entender mais sobre a cultura da empresa e se ela está alinhada com os seus valores. Conversar sobre isso na entrevista também é um bom momento para escolher ou não aceitar uma proposta.

Criar uma cultura ética começa com transparência e diálogo tanto do empregador quanto do empregado. Não espere a próxima versão da lista sair para fazer alguma coisa, pois pode ser muito tarde para a sua carreira ou reputação da sua agência.