Nasci na periferia da Grande São Paulo. Segunda de quatro irmãos de uma família de feirantes, estudante de escola pública, órfã de pai aos 11 anos. Não parece exatamente a receita do sucesso. 

Desde sempre eu ouvia que tinha nascido pobre e deveria me conformar com isso. Durante minha infância, nos anos 1990, era quase unanimidade que uma pessoa de origem humilde, mulher, jamais teria acesso a uma faculdade. “É coisa de rico”, me diziam. Mas eu era teimosa. Teimava em questionar o porquê de meu irmão mais velho ter muito mais liberdades do que eu tinha, em querer aprender a fazer contas de cabeça para ajudar meus pais na feira, teimava em dar de ombros quando me diziam que eu não poderia. “Isso é o que veremos”, eu pensava.

Eu sempre amei aprender: da minha mãe, herdei o gosto pelos livros e a tenacidade; do meu pai, a paixão pela matemática e pelos desafios. Mesmo que ela não tenha sequer terminado a primeira série e ele o ensino fundamental, meus pais sempre foram o meu maior exemplo na busca do conhecimento, do transformar em muito o pouco que tínhamos. Vem daí também meu amor pela astronomia, de quando a gente deitava na laje e ficava ali, comendo bolinhos de chuva e admirando a noite, as estrelas e o universo.

Amar aprender nem sempre significou que eu tinha facilidades com isso. Demorei a aprender a escrever, tive dificuldades para entender divisão com dois algarismos no divisor, reprovei em cálculo, e era já adulta quando saquei as proparoxítonas. Mas nunca questionei a nenhum professor “por que eu tenho de aprender isso?”. Eu sempre quis mais: mais conhecimento, mais desafios, mais oportunidades, mais conquistas. Eu gostava da sensação esquisita de terminar o dia sabendo algo novo, sabendo algo diferente.

A minha sede por saber me fez desbravar mundos que ninguém ao meu redor jamais sonharia que eu conheceria. Ontem eu era a Patricia feirante, que acordava às 3h ou 4h da manhã nos fins de semana, que arrumava os legumes sobre a banca e fazia as contas dos clientes sem uso de qualquer calculadora. Hoje eu sou a Patricia física, mestra em astrofísica e, quem diria, quase doutora. Troquei os tomates e as cebolas pelas galáxias. Antes eu trabalhava com a Cristina, com o Ademir, com o Nino. Hoje eu trabalho com as Anas, com a Carla, com o Laerte, com a Claudia. As feiras de domingo foram substituídas pelo S-PLUS, J-PLUS, J-PAS e pelo CALIFA.

Já são quase 15 anos na jornada da ciência, desde que coloquei meus pés pela primeira vez na USP, a maior universidade da América Latina. Durante esse período, já passei fome, já participei de jantares de conferências, já dormi no chão, já estive em hotéis incríveis, já entrei em greve, já participei de eventos internacionais, enfrentei trem lotado, conheci países e pessoas.

 

Uma vez, quando adolescente, eu li uma reportagem em que uma astrofísica dizia que ela não tinha escolhido a astronomia, mas sim que a astronomia a tinha escolhido. Naquela época eu não poderia sequer vislumbrar meu futuro, mas guardei aquelas palavras com muito cuidado dentro de mim. E hoje eu vejo que a física, a astronomia e a ciência também me escolheram, não eu a elas. Sou capaz de olhar para trás e ver a sintonia fina nos acontecimentos da minha vida que me conduziram e me transformaram em astrofísica.

A minha trajetória ainda está longe de terminar. Apesar de saber que a ciência tem sido cada vez mais sucateada e as oportunidades estão cada vez mais escassas, eu continuo lutando pelo meu lugar na ciência. Eu sou teimosa e quero continuar assim por um bom tempo ainda.

Patricia Novais é astrofísica do IAG/USP e personagem da campanha Tech Girls, da Samsung

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