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O novo filme de O Boticário para o Dia dos Pais mostra um pai que “ama ser pai”. Adora brincar com os filhos, dançar com a caçula e falar sério com o mais velho. A assinatura diz: “Dia dos Pais merece presente. Presente é O Boticário” e fecha num take com toda a família reunida.

Nada de novo no reino da propaganda, certo? Certo. O problema é que este filme teve, até o momento, 16 mil dislikes desde sua postagem, no último dia 26. Nenhum filme de O Boticário para o Dia dos Pais contou com tanta avaliação negativa. Seria o roteiro? A produção? Não. O “problema” visto por milhares de internautas estava na cor do casting.

Uma família negra protagoniza o comercial. Sim, o “grande” problema do filme criado pela AlmapBBDO para O Boticário é a cor do elenco. E não há nenhum tipo de militância de movimento negro no filme. É apenas uma família cujos membros são negros. Veja:

Os comentários críticos ao filme da Almap dizem que a propaganda é racista por escalar só negros. “Pouco criativo e racista. Vamos misturar essa família aí”, diz um deles. “Por que não tem nenhuma pessoa branca no comercial? Não é (sic) direitos iguais?”, questiona outro.

Se a propaganda também é um reflexo da sociedade, qual o problema em representar uma família brasileira como no filme de O Boticário? Afinal, segundo o IBGE, mais da metade da população do país é negra.

Todos os outros comerciais de anos anteriores mostravam pais brancos e nenhum causou furor por isso. Não houve questionamentos do tipo: “Por que não há negros se a maioria da população é negra?”, por exemplo.

E se os negros possuem poder de compra, qual o problema de uma marca querer representar seu público com pessoas negras? Convenhamos – e não sejamos hipócritas – a principal função da publicidade de O Boticário é vender perfumes e afins para o Dia dos Pais.

É preciso valorizar a atitude da AlmapBBDO e de O Boticário. Infelizmente, não é comum vermos negros protagonizando as peças de publicidade. Pesquisa recente da Heads mostrou que homens negros aparecem em apenas 11% das propagandas brasileiras. Entre as mulheres, a participação chega a 16%. Os brancos são maioria. Entre os homens, 75%. E entre as mulheres, 73%.

E se, infelizmente, é incomum vermos famílias negras nos comerciais, é espantoso que a presença de uma cause tantos comentários e avaliações negativas. Infelizmente, isso tem nome: racismo. Afinal, os negros protagonizam outras coisas no Brasil.

As mulheres negras são mais vitimadas pela violência doméstica, homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país e mais da metade dos presos brasileiros são pretos e pardos. Isso só para citar alguns exemplos.

Por essas e outras que causa espanto ver uma família negra protagonizando um comercial. Não é isso que as pessoas esperam. Ninguém está acostumado a ver o negro bem de vida, com família e poder de compra. O brasileiro acostumou-se a ver o negro em situações de dificuldade.

Mas, cedo ou tarde, as mudanças chegam. Que mais campanhas sejam protagonizadas por negros. O país e a publicidade só têm a ganhar.

Leonardo Araujo é jornalista especializado em marketing e mídias sociais.