Neil Ferreira já deixou saudades em todos os que admiravam a qualidade do seu trabalho publicitário.

Na época em que despontou para o mercado, na segunda metade dos anos 1960, ocorreu uma mudança para melhor na linguagem de campanhas, comerciais, anúncios e peças promocionais.

De um lado, o Brasil vivendo uma economia saudável, embora sob um regime político ditatorial que ainda não havia chegado nos seus piores momentos.

Do outro lado, as primeiras influências do Cannes Lions, com a ida de alguns profissionais brasileiros de agências e uns poucos jornalistas, reportando na volta o melhor da propaganda mundial e o que nos envergonhava: vaias a alguns comerciais nossos, com boas ideias, mas péssima produção.

Inegável, porém, até pelas vaias, que a influência de Cannes acabou por atingir a alma e o orgulho profissional dos nossos criativos.

Logo em seguida, o PROPMARK iniciou a série das Semanas Internacionais da Criação Publicitária, trazendo para palestrar no Maksoud Plaza, por conta das agências madrinhas que patrocinavam as vindas dos seus melhores quadros criativos da Europa e dos Estados Unidos, laureados diretores de criação de famosas agências do Hemisfério Norte.

Houve também no início dessa década e por iniciativa da Globo e da então Globotec (mais tarde GTec), dirigida por Nelson Gomes, o seminário Câmera 90, com exponenciais da TV como Chico Anysio, Jô Soares e o inigualável José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, que hoje dirige com todo o seu talento a Rede Vanguarda no Vale do Paraíba, propondo-se a transmitir suas experiências em lidar com a imagem televisiva, cujo aproveitamento redundaria em melhores comerciais, como de fato ocorreu.

Como dizíamos, nesta época de ouro para o mercado, embora sufocando-se algumas das principais liberdades democráticas, a mais importante delas a liberdade de expressão, surgem alguns gênios mais atrevidos na propaganda, motivados até pelo desafio de se expressarem através da publicidade, o que não mais era permitido pelo conteúdo original dos meios de comunicação.

Dessa safra fez parte Neil Ferreira, desembarcando de jornais censurados para a criação de campanhas e peças publicitárias que podiam desafiar a censura, ainda despreparada para entender esse importante segmento da comunicação.

Foi com esse espírito que um grupo de jovens e talentosos profissionais de criação, contratados pelo arrojo de Geraldo Alonso (pai), criou o anúncio da sua chegada à agência da Rua General Jardim (que não se perdia pelo nome): Os Subversivos.

Foi veiculado nos principais jornais do eixo São Paulo/Rio e provocou grande curiosidade e comentários.  

A peça, na verdade, página inteira de jornal, além de uma dupla na revista Propaganda, falava de profissionais que estavam dispostos a subverter a ordem das coisas… na propaganda brasileira. Cada qual posava na foto famosa do anúncio, com sua “arma” de trabalho: máquina de escrever, réguas-tês e um gravador com fita contendo ensaios para spots e jingles etc.

Jarbas José de Souza, Neil Ferreira, José Fontoura da Costa, Carlos Wagner de Moraes e Anibal Guastavino. Todos olhando com um certo olhar de deboche para a câmara do fotógrafo, que para o imaginário popular bem poderia ser o Dr. Fleury no recinto do Dops, registrando o momento histórico daquela prisão que o promoveria talvez a secretário da Segurança Pública.

O texto do anúncio brincava sutilmente com as coisas que o regime militar repudiava: “Olha as armas terríveis que eles têm nas mãos”, era a primeira frase. Continuava: “São armas que podem abalar governos. Com elas, esses homens são capazes de mudar a história de um país ou a história de um produto. Basta apertar o botão. De uma máquina fotográfica. Uma câmara de cinema. Um aparelho de TV. A tecla de uma máquina de escrever”.

É de arrepiar, para quem viveu a época.

No mesmo dia, e isso não foi dito pela imprensa da época, com exceção da edição seguinte do PROPMARK (então Asteriscos), Geraldo Alonso foi chamado ao Dops para explicações. Mas, não compareceu.

Seus advogados foram no seu lugar e revelaram toda a história. Um alívio para Brasília, um gol de placa do então presidente da Norton, direitista declarado e ciente de que o contraponto que a sua agência apresentava à opinião pública iria lhe render inúmeros frutos.

Como de fato lhe rendeu, sem arranhar a “paz” interna do país.

 

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A consagrada frase “Ou o Brasil acaba com as saúvas, ou as saúvas acabam com o Brasil”, criada pelo naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, no livro Viagem à Província de São Paulo, em 1816, foi muito usada como propaganda oficial, no primeiro governo de Vargas, servindo como um dos seus lemas de fortalecimento da agricultura, em um Brasil que já ameaçava se industrializar.

 Hoje, as saúvas de Saint-Hilaire, não só não foram totalmente eliminadas, como passaram por grande metamorfose, delas advindo saúvas humanas, que pouco produzem e se aproveitam dos resultados do trabalho alheio para viver.

Se vivo ainda fosse, apesar de centenário, Vargas olharia decepcionado para o sindicalismo que criou com a sua CLT e que, com o passar do tempo, virou outra entidade, muito diversa da preconizada pelo presidente-suicida e cada vez mais parecida com a saúva.

Um dos seus piores males é o de estimular governos a decretar feriados sob a alegação de homenagear os trabalhadores e dar-lhes merecido descanso, além das folgas semanais de lei.

A prática, ajudada por outras entidades igualmente poderosas, levou o país ao absurdo que, por exemplo, vivemos este mês, com três feriados caindo em dias úteis e criando um mês de apenas 19 dias úteis, sem contar os dias emendados. Isso, em um período de recuperação da economia.

Já está mais do que na hora de diminuirmos esse absurdo número de feriados que ocorrem durante o ano. Começando por novembro, não mais se justifica a comemoração da Proclamação da República, até por não termos nenhuma ameaça de retorno a qualquer império.

Lamentamos a perda de força, nestes últimos tempos, de entidades da vida civil nacional, que defendiam os direitos do cidadão diante de qualquer ameaça oficial. As classes produtoras e as profissões independentes diminuíram sua representatividade no Brasil, deixando-nos a sós perante os desmandos governamentais.

Se não acordarmos da nossa letargia, nós que formamos o verdadeiro povo brasileiro, haverá poucas esperanças de mudanças para melhor.

E novos feriados serão decretados lá adiante.

 

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Este Editorial é uma homenagem a Neil Ferreira, pela sua importante participação na valorização da criatividade publicitária brasileira.

Armando Ferrentini é presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda (aferrentini@editorareferencia.com.br).