Analisando a trajetória das grandes marcas globais e nacionais, de suas conquistas e perdas, acertos e erros, pode-se facilmente constatar que, apesar da relevância de domínio das (às vezes) intrincadas técnicas utilizadas em sua construção e manutenção, a paixão pela marca em si – bem como seu propósito, significado e personalidade – é ainda mais importante que os recursos lógicos empregados.

A interferência dos fundadores e/ou dos seus principais responsáveis em cada etapa da vida da marca fazem a grande diferença entre as que estão em uma trajetória sustentável positiva ou cambaleiam para um lacônico fim. Vale lembrar a célebre frase do icônico Nenem Prancha, que teria dito que “o pênalti é tão importante que deveria ser cobrado pelo presidente do clube”, mas que, segundo o próprio, “o que falei é que o pênalti é tão fácil que até o presidente pode bater”.

O que me leva a lembrar de uma lição de Sergio Maia que nunca mais esqueci. Dita durante uma palestra na qual eu defendia a tese de que cabe ao presidente cuidar pessoalmente da marca, a experiência dele era de que não, quem deve cuidar da marca é o dono ou o conselho de acionistas da organização, uma vez que os CEOs estão muito focados no curto prazo.

De origem na área financeira, Maia é um dos melhores profissionais de marketing e negócios que conheço, que veio ao Brasil para minimizar o imenso prejuízo que o Sonae registrava e, cuidando como dono das marcas que administrava, reverteu o negócio, vendido alguns anos depois com grandes lucros.

Isso remete naturalmente a grandes exemplos de construção de marcas poderosas, como Steve Jobs e Apple, Richard Branson e Virgin, Phil Knight e Nike, Renzo Rosso e Diesel. Também remete a marcas que viveram grandes momentos sendo lideradas por CEOs que tinham a visão e  o comportamento de donos, como a Pepsi, dirigida por Roger Enrico nos anos de 1980, que abalou tanto a sua eterna rival, a Coca-Cola, que gerou o desastre da New Coke, em 1985, quando ficou evidente que nem mesmo as maiores marcas do mundo deixam de estar sujeitas a acidentes de percurso.

O caso da Pepsi remete também ao já mencionado esforço de Sergio Maia ao revigorar a marca Nacional Supermercados, do Rio Grande do Sul, que acabou vendida para o Walmart que, de lá para cá, cuida dela do modo tradicional, empanando seu brilho e valor.

Além dessas marcas icônicas globais, que primam pela altíssima qualidade de sua publicidade, mas, acima de tudo, pela sua consistência, vale ressaltar um caso brasileiro admirável, que demonstra que o feeling do criador da marca e sua paixão por ela fazem uma enorme diferença. É o caso da Ultrafarma, criada em 2000 por Sidney Oliveira, a partir de uma única farmácia física em São Paulo, que já ultrapassou 1 milhão de clientes ativos e mais de 15 mil produtos pelo e-commerce e televendas. Seu mote é o preço baixo, infinitamente repetido na publicidade, que começou nas mídias periféricas e hoje já utiliza os principais veículos no país, além de estar no cerne das mensagens comerciais e esforços de brand content.

Tudo de forma mais intuitiva que técnica, mas altamente eficaz, como está sendo a criação da marca Sidney Oliveira, que vende mais de 150 tipos de vitaminas e fitoterápicos e a linha de cosméticos Rahda através de consultores e um catálogo de 100 páginas, mimetizando o sucesso da Avon, organização mundial com quase 150 anos de vida que acaba de ser adquirida pela Natura, outra gigante do setor. E, uma vez mais, o dono-símbolo da marca está em todas as mídias, além da ousadia de patrocinar a seleção brasileira de futebol, ao lado de marcas de muito maior fôlego.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)