O jogo causou um furor de proporções hecatômbicas em 2016. Em casa, num instante, todos jogavam Pokémon Go – da minha filha adolescente ao marido, que chegou a pontuar acima de todos na família. Vivi situações de risco ao volante tentando capturar aqueles bichinhos que pipocavam por toda parte. Foram mais de 500 milhões de downloads, os primeiros 50 milhões em menos de 24 horas após o seu lançamento pela até então desconhecida Niantic. Pokémon Go tornou-se o jogo mais rentável da história – mais do que Candy Crush Saga.

Em agosto passado, 28% dos dólares no mercado de jogos móveis foi embolsado pelo game, que continua recordista em rentabilidade, mesmo depois de perder cerca de 80% de seus usuários pagantes desde julho. Especialistas elegeram o game como o grande acontecimento tecnológico de 2016. Muitos acreditam que seu grande mérito foi revitalizar – ou atualizar – o conceito de realidade aumentada, inovação que já estava até “antiguinha” àquela altura, e levou um baita sopro de novidade. No mundo das marcas, a RA (Realidade Aumentada) sempre foi considerada pouco representativa do ponto de vista de ROI: forte para engajar, porém numa escala em geral pequena. Por isso, raramente esteve no centro de uma estratégia de marca.

Um dos méritos de Pokémon Go foi, sem dúvida, transportar a experiência do game para as ruas – a Niantic diz ter contabilizado mais de 8,7 bilhões de quilômetros, “elevando” o celular a novo patamar de recursos e possibilidades. Particularmente, considero o grande mérito do game ter trazido à tona, pela primeira vez em escala mundial, o potente conceito de “realidade mista”, em que objetos digitais interagem com o mundo real, em tempo real – considerado o próprio futuro da RA. Pokémon Go proporcionou essa experiência inusitada para uma parcela bastante significativa e diversificada da população, dando um gostinho daquilo que nos espera daqui para frente. Para a maioria, foi a estreia nesse admirável mundo novo da “realidade mista”.

Pokémon Go foi e é, portanto, muito mais do que um game: é o prenúncio de um futuro em que a realidade é maleável, o mundo digital e a vida aqui fora se equilibram com perfeição e as criaturas do mundo virtual podem despontar no firmamento para entreter, informar e alterar o nosso comportamento. Tudo simples, cool, irresistível. E social: o game permitiu caçar monstrinhos virtuais com o amigo real na esquina de casa. A caça desenfreada também demonstrou a força da “gamification”: nada como brincar, se divertir e ainda ser premiado – fórmula matadora para manter pessoas permanentemente engajadas. E Pokémon Go premia cada jogador considerando suas características individuais, respeitando as mais modestas conquistas. O game tão mega é, sabiamente, focado no indivíduo.

E demonstrou o poder de uma boa história – associada a uma grande marca. Ao comprar os direitos do jogo mobile dos Pokémons, àquela altura populares no mundo inteiro há duas décadas, a Niantic garantiu o avassalador sucesso de seu game e infinitas possibilidades de storytelling. Não há fórmula mágica aí: apenas a melhor escolha possível de conteúdo. Pessoas e marcas têm, portanto, um bocado a aprender com Pokémon Go. E, apesar do aparente desencanto com o game, há quem siga explorando suas camadas mais profundas, de complexidade que espanta os jogadores mais casuais. Só os gamers aficcionados ficaram. É a curva natural de evolução de cada produto dessa indústria – a do entretenimento – que se vale mais de blockbusters do que de projetos de longo prazo. Lá em casa, por exemplo, ninguém mais joga. Mas devo confessar que volta e meia sinto saudades de ir à caça dos bichinhos.