Era o ano de 1985, fim do reinado de João Figueiredo, general que gostava mais de seus cavalos do que do povo brasileiro. A censura sobre os meios de comunicação era rigorosa, o governo aventava a hipótese de censurar inclusive a publicidade. O Conar nasceu como forma de antecipação à sanha controladora dos salvadores da pátria. Tipo melhor prevenir do que remediar. Entre os profissionais de criação, inclusive eu, havia um temor de que o Conar fosse apenas outra forma disfarçada de censura, ou mais um órgão corporativista, para inglês ver, com o agravante de cercear seriamente a criatividade da publicidade. Recordando-me de citação de Júlio César “se quiser vencer seu inimigo, aliste-se em suas hordas” aceitei o convite do Petrônio Correia, primeiro presidente do Cornar. Como um centurião, ingressei no Conar pronto para destruí-lo.

Fui o primeiro dos profissionais de criação a integrar uma Câmara do Conselho de Ética. Fui escalado na 1ª Câmara, ao lado de celebridades como Ênio Basílio, Ivan Pinto, Luiz Celso Piratininga, Piero Fioravanti, Pedro Kassab e Altino de Barros. Fui aprendendo e não precisei de muito tempo para perceber que a coisa era mesmo para valer. Nada de corporativismo, vistas grossas com agências importantes e mega-anunciantes, ou algum tipo de ação entre amigos, apenas a aplicação rigorosa de um código que foi previamente aprovado por toda a indústria da publicidade. Comecei a perceber que, embora fruto de autorregulamentação, o Conar não pertence aos publicitários, aos anunciantes, muito menos aos veículos. Não se trata de defender o direito da liberdade de expressão comercial. O Conar pertence aos consumidores, estes sim com um direito sagrado à informação honesta e verdadeira sobre aquilo que lhes é oferecido. A publicidade, para melhor funcionar, precisa ser criativa. O que ela não pode é ser mentirosa, desonesta, preconceituosa, não pode ser apelativa. Não é uma questão de leis, é uma questão de ética. Constatei logo que o ritual do Conar nada tem a ver com censura. Diferentemente desta, não se faz análise prévia de nenhum anúncio, cada um é responsável pelo que veicula. O julgamento é baseado no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, nada de opiniões e achismos, as regras são claras. O direito de defesa é fundamental, incluindo recursos a duas instâncias. E o mais importante, o julgamento é democrático, com qualquer dos conselheiros podendo defender seu voto e, sempre com muitos conselheiros presentes, prevalece a maioria. Dou meu testemunho: participei ativamente no Conar por 33 anos, durante os quais fui o relator de uns 600 processos, perdi a conta.

Nunca, jamais, em tempo algum, fui pressionado pela diretoria para dar um voto “amigável”, nenhum colega me procurou para favorecer alguma campanha de sua agência, e nenhum amigo me olhou torto porque condenei um comercial seu. Recomendei a retirada de centenas de anúncios do ar. Indiquei alterações em outros tantos. Votei sugerindo o arquivamento do processo de outras centenas de campanhas que, no meu entender, em nada infringiam a ética publicitária. Tive meu voto acatado na maioria das vezes e, muitas vezes, fui voto vencido. Sempre tudo muito livre, às claras e com muito respeito entre os que divergiam. Para encerrar minha trajetória no Conar, peço permissão a Alcione para cantar com ela: “Quando eu não puder pisar mais na avenida, quando as minhas pernas não puderem aguentar. Levar meu corpo, junto com meu samba. O meu anel de bamba, entrego a quem mereça usar.”

Arthur Amorim é publicitário e diretor de criação (arthuramorim@uol.com.br)