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Em 1969, o norte-americano Michael Massimino, então com sete anos, tirou uma foto no Halloween com um Snoopy de brinquedo e fantasiado do seu futuro. Cinquenta anos depois, em 2009, o já astronauta levou o pequeno amigo em sua segunda viagem espacial. A decisão teve motivos emocionais profundos, que sobreviveram às mudanças nesse período. 

A história é lembrada por Marici Ferreira, presidente da Abral (Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens). Ela explica que marcas e personagens fortes assim são classificados como evergreen, pois são atemporais e se mantêm no mercado em variadas plataformas e grande reconhecimento do público. “Essa categoria de licença responde por uma parcela bem significativa do setor, mas vale ressaltar a propagação da cultura geek e os movimentos nostálgicos. Eles trazem lembranças de quando líamos gibis ou assistíamos seriados, filmes e desenhos que nos marcaram de forma positiva e cujos valores ajudaram a moldar o que somos.”

A Abral estima que o Brasil tem 500 empresas que usam licensing e 600 licenças disponíveis (80% estrangeiras), principalmente nos setores de confecção, papelaria, brinquedo e personal care. Em 2018, o faturamento foi de R$ 18,9 bilhões (crescimento de 5% em relação a 2017). Essa indústria ganha ainda mais força quando as marcas celebram aniversários dos personagens, como neste ano e no anterior.

Em 2018, a DC Comics viu o Homem de Aço chegar aos 80 anos mais saudável do que nunca, e a Disney celebrou os 90 anos do Mickey, o rato mais famoso do mundo. Primeiro desenho animado a ser amplamente licenciado, ele continua sendo a franquia #1 da The Walt Disney Company para crianças e jovens adultos e representa 30% do volume de vendas dos produtos da empresa.

O personagem é conhecido no mundo todo. Em italiano, é Topolino; em alemão, de Micky Maus; em espanhol, Raton Mickey; em sueco, Musse Pigg; e em mandarim, Mi Lao Shu. E não dá sinal de perder força. Entre 2017 e 2018, o volume de crescimento do negócio chegou a 17% e as hashtags Mickey90 e MickeyMouse tiveram 50,3 milhões de impressões (2,4 mil usuários geraram 4,1 mil menções) na América Latina.

Já 2019 tem bolo e guaraná o ano todo. Gato Felix chega ao centenário, Garfield faz 40 anos e a Hello Kitty faz 45. Popeye soma nove décadas, Batman, oito, Barbie tem 60 velinhas e Scooby Doo soluciona mistérios há meio século. O ano ainda coroa a primeira década do Universo Cinematográfico Marvel (MCU), com Vingadores: Ultimato, o quarto longa da saga e o 22º da empresa. Com estreia no Brasil dia 25, ele é considerado o filme do ano, está quebrando recordes e soma dezenas de produtos pelo mundo. Ele reúne alguns dos heróis mais lucrativos: Capitão América (1940), Homem de Ferro (1963), Homem-Aranha e Hulk (ambos de 1962).

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Rever e ser feliz
Mas como personagens criados em épocas tão diferentes da atual sobrevivem e se renovam? E por que ainda são férteis para a publicidade? Adriano Matos, CCO da Grey, avalia que é porque o ser humano segue o mesmo, com seus desejos, necessidades, amores e inseguranças. No entanto, ele chama a atenção para a humanização desses personagens, apresentando fraquezas, dilemas e vulnerabilidades, criando “identificação com a audiência”. “É por isso que o Batman perturbado de Christopher Nolan fez enorme sucesso; que o tímido e inseguro Peter Parker atrai uma legião de adolescentes ao cinema; e Deadpool, um herói tão humano que chega a ser caricato, tem ressonância”, diz o criativo.

Na mesma linha, Wilson Mateos, VP de criação da Leo Burnett Tailor Made, vê dois caminhos que justificam essa longevidade de símbolos, como o Homem Morcego. “Uns foram se adaptando ao longo do tempo. O Batman nasceu infantil nos quadrinhos dos anos 1930, virou cômico no seriado dos anos 1960 e, nas mãos de autores como Frank Miller, virou um personagem com crises existenciais, neuroses e questionamentos. O outro é a nostalgia pura e simples, e esse apelo é irresistível.”

Outra possibilidade, segundo Douglas Nogueira, diretor de grupo de planejamento da Talent Marcel, é que isso poderia sugerir uma crise de criatividade, mas ele acredita que se algo ganha o “selo icônico”, representa uma verdade tão fundamental que sobrevive a diferentes contextos. “Star Wars não é apenas uma história de guerras nas estrelas entre o bem e o mal. A luta entre Sith x Jedi é a luta da República versus Império. Não soa atual?”

Lidando com consumo de conteúdo o tempo todo, Sóvero Pereira, head of content da Telecine, acrescenta que há muitos jovens interessados nestas criações, que estão sendo modernizadas e readaptadas. “Muitos cineastas consumiram este conteúdo na infância. Filmagem, animação, edição e efeitos especiais evoluíram, tornando possível recontar estas histórias ou reviver estes personagens com uma cara mais atual e pegada sociocultural contemporânea. Os papéis femininos e das diferentes etnias tendem a ser mais valorizados”, diz. As telas, aliás, vivem uma fase ótima. Nas telinhas, o tabuleiro do streaming ganhou competidores de peso: Amazon, Disney e Apple, além da “veterana” Netflix. E nas telonas, a Flix Media estima a maior audiência do cinema: cerca de 300 lançamentos e de 200 milhões de pessoas, com alta temporada o ano todo.

Coleções para todos
Além disso, o consumidor pode esperar um leque mais amplo de produtos. A Disney, responsável por grande parte das produções nas telas, chega às vésperas da Expo Disney (24 e 25 de abril) com mais uma mostra do poder de suas criações. O evento vai reunir mais de 110 empresas, entre fabricantes de vestuário, brinquedos, eletrônicos, publicações, artigos alimentícios, itens de higiene pessoal, de papelaria e de festa. Já no segundo semestre, a Expo Licensing Latam terá novidades de personagens e marcas que estão em alta.

Uma das licenças mais populares e que segue acompanhando a evolução do mercado e da sociedade para se manter relevante é a Barbie, da Mattel. Para inspirar e empoderar meninas, em 2015 foi criado o programa Mulheres Inspiradoras, sobre as figuras que quebram barreiras e são exemplos para as gerações futuras. Alejando Gómez, diretor de Barbie para América Latina, conta que essa é uma das formas para continuar oferecendo maneiras para dos fãs se conectarem com a marca através de conteúdo, experiências e produtos. “Desde 1959, o propósito da Barbie tem sido inspirar o potencial ilimitado das meninas. Barbie tem mais de 200 carreiras mostrando que elas podem ser o que quiserem. Tudo isso contribui para resistir ao teste do tempo”, afirma.

Nesse contexto, em março, a Riachuelo lançou uma coleção para praia, cama e banho com a boneca e o conceito You Can Be Anything. A empresa, inclusive, aposta muito em licenciamento, como o do próprio Snoopy, criado nos anos 1950, que ganhou este mês uma coleção Moda Casa.

Quem também acredita nessa estratégia é a Tupperware, que está com produtos do quarentão Garfield. André Raccah, diretor de marketing da Tupperware Brands Brasil, explica que as marcas “promovem um revival” em seus produtos para mantê-los atuais. “O Garfield já teve dois filmes nos cinemas e uma animação está em produção”, lembra. O felino também estrela uma caixa especial da Nerd ao Cubo, unidade de e-commerce do grupo Webedia no Brasil. Outro aniversariante com ações é a Hello Kitty, que entra no mundo dos games com o Tetris. O lançamento será em junho.

Aprecie com modereção
Na era do consumidor bombardeado por estímulos, os criativos defendem que a publicidade eficiente precisa confundir-se com a “cultura popular e entrar no tecido social”. Nogueira, da Talent Marcel, fala da mudança no consumo, com a construção de repertório sendo de forma caótica. “É como uma máquina do tempo, capaz de transformar O Rei Leão em um ícone dos novos tempos. Personagens da cultura pop estão nascendo, mas precisam de tempo para o tal selo da imortalidade”, analisa.

Mas é preciso cuidado. Associar uma marca a referências admiradas sem ficar batido ou descaracterizar sua essência não é simples. Para Matos, da Grey, os integrantes da “mitologia da nossa era” são recursos poderosos – se bem utilizados. “Aí entram pertinência para não soar oportunista (o público fareja de longe) e criatividade para gerar uma mensagem relevante. Sem isso, corre-se o risco de o personagem fazer sombra sobre a marca, sendo apenas ele lembrado.”