Alê Oliveira

A atividade política no Brasil está desacreditada. Por outro lado, sem política não há salvação. Como administrar um país sem o seu exercício?

Mesmo nas ditaduras, ela é indispensável. O mundo moderno não admite mais países “fechados”. E para abri-los a chave é a política, ainda que distante da que se pratica nas democracias.

Em nosso país ela precisa ser revalorizada. De tempos em tempos, perdemos a noção da sua importância, da necessidade da sua preservação.

Um dos maiores exemplos do nosso despertar, desde 1500, foi dado com o término do período militar iniciado em 1964, quando a pressão civil envolvendo todos os setores da população brasileira levou as Forças Armadas a admitir que não havia mais condições de continuar no poder.

Veio então a abertura lenta e gradual preconizada por Geisel, em resposta aos movimentos populares que já não podiam mais ser contidos pela força.

Coube ao seu sucessor João Figueiredo ser o último dos comandantes militares a presidir o Brasil desde o período iniciado com Castello Branco, em 1964. Folclórico, Figueiredo assumiu sabendo de antemão que encerraria o ciclo e iniciou seu período falando e apontando para a democracia.

Dos cinco ditadores militares, foi o que menos apego tinha pelo poder, provavelmente porque tinha consciência do papel que lhe estava reservado. Diga-se aqui que se tratava de um destino inevitável. Já antes de receber a faixa de Geisel, vislumbrava o fim do período militar. A nação não aguentava mais a ditadura e João Figueiredo intui a condição de fazer da melhor forma possível um governo de transição.

Para tanto, precisava se aproximar mais do povo, para o que não tinha vocação. Sua célebre frase “prefiro o cheiro dos cavalos do que o cheiro do povo” o definia bem nesse particular.

Mesmo assim, dava demonstração frequentes da “missão” que os fatos lhe reservavam. Ficou célebre, por exemplo, o seu desabafo diante de jornalistas que o pressionavam ansiando pela abertura: “Quem for contra eu prendo e arrebento”.

Não foi preciso, porque não havia mais ninguém contra. O país inteiro queria a volta da democracia e dentre a população, justiça seja feita, havia grupos de militantes idealistas que arriscavam a própria vida para abreviar o período militar. Muitos deles foram torturados, como a então jovem Dilma Rousseff, e outros assassinados por não resistirem aos interrogatórios ou simplesmente porque ordens superiores determinavam o seu fim.

Veio a sonhada redemocratização, com eleições indiretas pelos parlamentares, que sufragaram o nome de Tancredo Neves.

Quis o destino que o sofrimento da nação não terminasse aí. Tancredo ficou doente e veio a falecer, assumindo a Presidência da República seu vice, José Sarney.

Com a economia em frangalhos, Sarney decretou um plano econômico com a criação emblemática dos “fiscais do Sarney”, populares voluntários que denunciavam estabelecimentos que desrespeitavam o congelamento dos preços.

Foi um período particularmente difícil, mas a população aderiu, já refeita da perda de Tancredo Neves. A atração dos noticiosos da noite na TV eram as cenas dos embates dos “fiscais” contra os supermercados.

Paralelamente, ganhava corpo o movimento Diretas Já, inflado pelos partidos políticos que se recompunham dos anos de chumbo e mudavam de nomes, além de outros que surgiam de vários matizes.

Aprovadas as Diretas Já, com célebre festa popular para comemorar, vieram as eleições para o novo período presidencial e nova grande decepção: ganhou Collor de Mello, derrotando o novo líder popular surgido do movimento sindicalista do ABC, em São Paulo: Luiz Inácio da Silva, o Lula, apelido depois legalmente incorporado ao nome próprio. Uma ameaça para as classes conservadoras, que também quiseram – em boa parte – o fim da ditadura militar, mas não uma mudança tão radical que pudesse levar um operário ao paraíso.

Collor seria então o preferido, mas a campanha eleitoral radicalizou. Era bem provável a vitória de Lula. Para evitá-la, tinha de se buscar algo de muito forte contra ele na sua história. 

Em um dos debates na televisão, Collor revelou o que pouquíssimos sabiam: a existência de Lurian, filha de Lula com outra mulher.

A sociedade brasileira ainda era em grande parte conservadora e essa denúncia, que hoje seria até motivo de risos da plateia, feriu gravemente a candidatura de Lula. A outra “revelação” de Collor, que já se permitia a esses despudores, não foi tão forte, mas ajudou a desequilibrar Lula no próprio debate: o aparelho de som que havia adquirido para sua casa, coisa que na época só os ricos possuíam…

Collor venceu nas urnas, mas não convenceu no exercício da Presidência da República, cujo início, facilitado por Sarney ao decretar um feriadão do sistema bancário no Brasil, foi um crime de lesa a pátria: o confisco das contas bancárias, inclusive da poupança popular.

Houve mortes de gente do povo que estava com suas reservas de uma vida inteira de trabalho, depositadas em modestas contas bancárias, que todavia garantiam o mínimo necessário para sobreviver na velhice.

Todo o período Collor, até o impeachment, foi um escárnio. Assim como Al Capone foi preso nos Estados Unidos por sonegar o imposto de renda, Collor acabou sendo cassado por uma transação mal explicada de um Fiat Elba. Pequenas ratoeiras para grandes ratos.

Com sua queda, assumiu o vice Itamar, que havia governado Minas e era amigo de Fernando Henrique Cardoso.

Convidou-o para ministro da Fazenda e daí surgiu o Plano Real, até hoje celebrado como o melhor de todos os planos econômicos tentados e testados no país.

A salvação do valor da nova moeda, precedida na transição por uma tablita de URVs, foi o suficiente para consagrar não só o novo presidente da República, como o seu ministro da Fazenda, que se candidatou depois à sucessão de Itamar e venceu disputando com Lula, sendo reeleito mais tarde em nova disputa com o ex-líder sindical.

Na eleição seguinte, Lula finalmente foi eleito e depois reeleito, com direito a fazer sua sucessora, a primeira mulher presidente da República, também reeleita e recentemente afastada, aguardando o desfecho do processo de impeachment que seria bom para a nação ocorrer dentro do menor tempo possível nos 180 dias limite.

A mensagem que este relato pretende passar é a de que sucessivos erros de escolha pelo eleitorado, não só dos ocupantes do mais alto cargo público do país, como também de parlamentares, pode ser consequência da falta de melhores esclarecimentos prestados à população, sobre como funciona a política, qual o seu papel e, principalmente, como funcionam as instituições em nosso país.

Há uma corrente de juristas, apoiada por alguns senadores e deputados federais, propondo mudanças na legislação eleitoral.

Quaisquer que sejam essas mudanças, caso ocorram, devem obrigatoriamente conter dispositivos de compulsório esclarecimento à população, para que o ato de comparecer à urna seja o ponto final de uma sequência de vontades.

Para isso, o tempo disponibilizado aos partidos políticos na mídia eletrônica poderia ser melhor aproveitado, deixando de dar voz e vez a candidatos que em sua maioria mal sabem se expressar, para um salto de qualidade em direção ao funcionamento da máquina pública e à importância do regime democrático para o desenvolvimento das nações.

Armando Ferrentini é diretor-presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda