O filme The Post é um desses de efeito renovador na devoção ao bom jornalismo. Para mim, a chave do filme está no momento em que Katharine Graham, em reunião com investidores e advogados sobre a abertura de capital do jornal, afirma que o jornalismo de qualidade aumenta os lucros. Simples causa e efeito. Nesta terra de ninguém chamada “conteúdo”, de alguma forma, parece se tornar necessário lançar mão de algumas “velhas crenças”, que serviram de base para a construção do jornalismo de qualidade. Romper com o poder, naquela ocasião, numa batalha que uniu, de maneira até então impensável, os rivais The Washington Post e The New York Times, em nome da liberdade de imprensa, teve efeito fundador nessa profissão, e é uma baita aula de ética capaz de mexer com o lado direito do cérebro de qualquer bom profissional de jornalismo, em qualquer tempo, em qualquer lugar.

Muito se perdeu pelo caminho, mas o NYT, por exemplo, continua provando a tese de Katharine: se valendo do bom jornalismo conseguiu chegar à marca de US$ 1 bilhão de faturamento com assinaturas, que hoje representam 60% da receita total. Recentemente, ao assumir o posto de publisher do jornal, A. G. Sulzberger relembrou votos feitos pelo jornal há 120 anos com o jornalismo independente, corajoso e confiável. Difícil não refletir sobre tudo isso em meio a discussões sobre fake news e sua capacidade de eleger presidentes, as trapalhadas algorítmicas de Mark Zuckerberg, o descontrole pantanoso da publicidade programática. Sempre me causa a impressão de que a perplexidade que nos trouxe até aqui, que nos deixou chegar a este ponto, talvez viva finalmente seu ponto de inflexão, aquele divisor de águas transformador, capaz de reverter toda a loucura e nos lembrar que as coisas já foram muito diferentes porque nos guiávamos por algumas regrinhas básicas. Quando foi que veículos de comunicação decidiram se render aos algoritmos dos gigantes digitais, talvez desesperados por audiência? Quando foi que a transparência passou a ser item secundário em nome da fantástica entrega de quantidade e não qualidade? Quando foi…?

No lugar de pensar se a Folha vai perder audiência do jovem ao se retirar de uma plataforma que decide o que seus usuários vão ver – talvez seja o caso de analisar se este não seria um movimento importante na discussão sobre liberdade e acesso à informação de qualidade de uma maneira geral. Se não seria uma discussão que deveria obter o apoio de outros veículos, muitos dos quais já consideraram se opor a alguns gigantes digitais, mas acabaram se acostumando a dormir com o inimigo.

Talvez a Folha consiga manter intacto seu castelo no topo da colina e seguir sua luta, provando que é possível viver fora do mundo dos algoritmos, se valendo de outras estratégias para espalhar seu conteúdo por aí. Talvez, como outros fizeram, volte atrás na sua decisão, convencida de que não há outro caminho a seguir. Ou talvez convença outros players do mercado a se unirem em torno da ideia de questionar – sempre salutar. Quando li a matéria na Folha sobre a sua decisão de sair do Facebook confesso que me deu um orgulho alheio, de quem tem sede de defender uma causa no meio de tanta conformidade. A Folha não está totalmente só, claro. A redes sociais estão sob o olhar atento dos veículos, dos anunciantes e de muitos usuários que não estão gostando da vida monótona e limitadora dos algoritmos.

Não sou revolucionária, nem contra os grandes gigantes digitais. Uso e sempre fui entusiasta de todos. Mas, como usuária, devo confessar que tem me incomodado sim o universo randômico ao qual ele me submete, quando me prometia o mundo inteiro à distância de alguns cliques. E não curto monopólios, ou duopólios, enfim, não é preciso ser um comunista ou um extremado capitalista para defender algo que deveria unir a todos: o desejo de liberdade, o poder de escolher e o direito de saber. Por uma vida menos ordinária.