Não queria estar na pele de um criativo de propaganda ou de um CMO nesta época do ano. Dia das Mães talvez seja, historicamente, a época mais clichê da publicidade brasileira, e fugir dos estereótipos é um desafio e tanto. Em tempos de #metoo, #nonstereotypealliance, #moregirls e outros movimentos que promovem a igualdade de gêneros, não está fácil para os caras que ajudam as marcas a se comunicarem com o público feminino o retratarem.

Uma simples busca no Google por campanhas de Dia das Mães mostra um desfile de anúncios em que prevalecem, além dos tons rosados, frases repetidas ad nauseam como “mãe é mãe”, “coração de mãe não se engana”, “valorize quem escolheu ter você” e por aí vai. Shoppings e fabricantes de eletrodomésticos costumam ser campeões em
referências a uma maternidade datada e embolorada. Uma matéria recentemente publicada aqui no jornal e competentemente escrita pela jornalista Mariana Barbosa deu pistas sobre o que algumas marcas estão planejando para o Dia das Mães, e parece que há uma forte preocupação em retratar a “mulher real”, com a intenção de quebrar o estereótipo da “supermãe amorosa que vive só para os filhos”…

Conversei sobre o assunto com várias mulheres e mães, e a maioria tem horror a esta imagem da mulher com superpoderes, que sempre sabe e resolve tudo. Sem dúvida é um bom caminho ter mães numa equipe criativa, porque para elas, certamente, caíram faz tempo a maioria dos mitos construídos a cerca da maternidade. Ser mãe é uma experiência que não se enquadra em campanhas açucaradas: cada mulher vivencia do seu jeito muito particular, único.

Seja como for, a velha mensagem de que no Dia das Mães é preciso agradecer ou recompensar os esforços da mãe com uma TV ou celular novos, me parece cada vez mais… vazia. Talvez seja necessário um esforço criativo mais robusto para buscar algum tipo de associação entre maternidade e consumo que faça sentido. Que tenha um novo sentido. Mas, embora existam novas formas “mais modernas” de falar de maternidade, eu diria que qualquer uma se torna menos interessante quando associada a algum tipo de recompensa material por todo esforço, sacrifício e luta de uma mãe. Vale, mais do que nunca, uma reflexão a respeito de que mensagem, afinal de contas, as marcas querem passar para as mulheres, e sobre as mulheres, neste Dia das Mães. Que relevância como marca se estará, afinal de contas, construindo “aproveitando esta data”, que chega a ser considerada o segundo Natal do ano? Vale falar de maternidade sem anunciar aquela promoção para agradecer à mamãe sobre tudo o que ela fez? Como falar do feminino sem tentar vender um celular pelo caminho?

Ficou apequenado e limitado num ambiente em se enxerga a mulher para tão além da maternidade (ou de qualquer aspecto isolado do feminino), associá-la a um item material, a uma proposta comercial – que pode alcançar mais legitimidade em tantas outras circunstâncias.

Parece-me oportuno, numa época em que se discutem tantos temas essenciais, em que falamos do propósito das marcas e de consumo consciente, refletir sobre como estamos evoluindo como marcas, como empresas, como pessoas. Como a Patagonia, que ousou propor, em plena Black Friday, que não se comprasse seus produtos, por que não ir contra os clichês históricos, arriscando defender algo que está aí, no espírito do tempo. É uma chance para crescer, e ocupar novos espaços de conversa, falando sobre temas que no fundo são bolas quicando, estão aí para quem quiser pegar. Para quem quiser ver, para além de olhar comum. O consumo como escolha supre necessidades, e definitivamente não depende de argumentos piegas como “sua mãe vai se orgulhar de você”. Orgulho do tamanho de uma lava-roupas novinha.