Sempre me animo quando vejo notícias sobre o aumento dos lucros de empresas como a Nike. O ano passado fechou com o anúncio de que as ações registraram forte alta na pré-abertura da Bolsa de Nova York. Os números surpreenderam até os analistas no último trimestre fiscal da empresa, marcado por ameaças de boicote pelas redes sociais depois de uma campanha publicitária estrelada pelo jogador de futebol americano Colin Kaepernick – que se ajoelhou durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos, antes dos jogos, em proteto às ações de policiais contra negros.

O que de fato se destaca nesse cenário é que a Nike, apesar de ser muito competente em seus produtos, tem como maior diferencial a comunicação e a forma com que se conecta e se relaciona com as pessoas. A marca foi construída dessa forma – e seu maior valor é, sem dúvida, a admiração que conquistou a partir de uma comunicação corajosa, em um ambiente em que há uma imensa diversidade de opiniões, mas onde muitos players se sentem fortes o suficiente para seguir defendendo seus pontos de vista. Ver isso “se pagar”, literalmente, é um alento, e um estímulo para que outras marcas sigam se posicionando de maneira relevante e construindo laços duradouros com a sociedade, apostando na força da comunicação como um todo, e que não leva em conta esta ou aquela plataforma, mas foca essencialmente no poder da mensagem.

Faço essa reflexão neste início de 2019 envolto por uma bruma de novidades que vêm de Brasília e se apresentam de diversas formas – em vídeos gravados toscamente e distribuídos nas redes, afirmações inconsistentes, dedos em riste e avisos de cortes de verbas em comunicação, ameaças a jornalistas e decisões nas áreas de educação e meio ambiente, por exemplo, que representam claros retrocessos.

Quando um presidente decide se comunicar diretamente com a nação (ainda que seja apenas uma parte), olhando no olho em mensagens pela tela do celular ou do computador, e anuncia uma nova marca sem dono enfatizando a economia de mais de 1 milhão na sua divulgação, há algo de novo no ar. E tudo isso ocorre no justo momento em que o mercado de comunicação como um todo anda fragilizado, enfrentou e continua enfrentando tempos difíceis. Desvalorizar as mídias tradicionais e pôr o bom jornalismo em xeque não apontam perspectivas muito animadoras. Mas a questão que fica é se tudo o que estamos vivendo não representa, de fato, oportunidade para o fortalecimento do bom jornalismo – aquele que desmonta teorias frágeis e informações insustentáveis -,do questionamento permanente, da criação e da resiliência no lugar da prosaica rigidez. Vai demandar, sem dúvida, vigor e inventividade, em especial por parte de empresas e marcas que pretendem continuar firmes e fortes no mercado.

No mais, minha sugestão para o atual governo é ficar atento ao verdadeiro papel da Secom, sua Secretaria de Comunicação. Mais do que questionar BVs ou investimentos em patrocínios esportivos, talvez o mais essencial neste momento seja alinhar discursos de ministros em projetos, ações e jobs que “conversam”, minimizando assim os atritos a que temos assistido, diariamente, em todas as mídias. Talvez Donald Trump seja uma forte inspiração para o atual presidente, especialmente no que se refere à atuação nas redes sociais, mas não se pode esquecer as diferenças essenciais entre o Brasil e os Estados Unidos. Liberal porém apegado a valores religiosos e militares, o atual Governo é um poço de contradições. Que um bom projeto de comunicação pode ajudar a administrar,tirando uma certa aura “amadora” que vem permeando quase tudo.