Assumir posições e defender bandeiras estão deixando de ser diferenciais competitivos, tornando-se elementos fundamentais para as marcas que desejam relevância no século 21. Mas com o discurso bonito ligado às mais diversas causas devem estar relacionadas ações que o sustente, como lembra o especialista Sergio Silva, professor de publicidade e propaganda da FAAP, em referência à polêmica envolvendo o Santander, nas últimas semanas.

A instituição financeira, por meio de seu braço cultural, cancelou no último dia 10 a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, de curadoria de Gaudêncio Fidelis, que estava em cartaz em Porto Alegre (RS). A mostra deveria ir até 8 de outubro, mas foi interrompida após manifestações nas redes sociais que se intensificaram com o apoio do MBL (Movimento Brasileiro Livre) e de organizações religiosas.

A principal acusação dos críticos era de que as peças faziam apologia à pedofilia e à zoofilia, além de blasfêmia, levando o Santander a soltar nota oficial pedindo “sinceras desculpas a todos os que se sentiram ofendidos por alguma obra que fazia parte da mostra”. Com a atitude, o banco acabou gerando uma segunda onda de manifestações, desta vez dos que categorizaram a postura como autoritária, causando novo desgaste em sua imagem.

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Para Silva, o caso evidenciou a incoerência entre discurso e atitude da empresa, lacunas que ficam mais claras com a rapidez com que as informações circulam nas redes sociais. “Só se pode assumir uma posição se for uma convicção enraizada na companhia. Se houver dúvida em parte da empresa ou sua atuação for incoerente, esse descompasso é descoberto rapidamente com a internet”, fala.

Doutorando em sociologia do consumo pela PUC/SP e professor da ESPM, Fabio Mariano ressalta que assumir posicionamentos é dever de toda organização e que é hipocrisia uma marca querer se isentar para não entrar em polêmicas. “Qualquer posicionamento é uma escolha, que vai agradar ou não. E isso é legítimo. A segmentação, aliás, é a primeira lei do marketing. Não dá para ter um posicionamento para agradar todo mundo. A sociedade não tolera mais essa farsa e essa hipocrisia”. O acadêmico compara a atitude do Santander com o da Natura, em 2015, que passou por situação semelhante após patrocinar a novela Babilônia. A marca foi ameaçada de boicote por patrocinar o folhetim, que retratou logo em seu primeiro capítulo um beijo gay entre duas personagens da terceira idade.

Em resposta às críticas, a marca divulgou comunicado nas mídias de massa e digital, explicando que defende, promove e apoia as manifestações livres e naturais do amor.Destacou ainda que o patrocínio continuaria porque estava em consonância com o posicionamento da marca. “O Santander, assim como a Natura, teve meses de discussão sobre a obra que patrocinaria. Sendo um investimento desse porte, é uma decisão que leva tempo. Quando a empresa aparece com o nome estampado em alguma exposição, acredita-se que ela saiba o que está fazendo, mas o banco demonstrou que talvez não soubesse”, afirma Mariano.

“O Santander escolheu uma posição conservadora. Cancelou a exposição, se colocou contra o que ele mesmo discutiu durante meses antes de patrocinar. Essa é uma escolha frouxa, não estratégica da gestão cultural”, opina o professor da ESPM. Para o acadêmico, a atividade cultural existe para promover debate e não ditar visões moralistas. Como justificativa para o encerramenta da mostra, o centro cultural que leva o nome do banco esclareceu que o “objetivo é incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia”.