Eu tenho um picaretrômetro bem desenvolvido. Sou capaz de identificar um picareta logo de saída, bastando observar o seu vocabulário e as suas opiniões a respeito do que quer que seja. Não sou bom em outras sensibilidades, como inveja, mentira, falta de caráter e desonestidade. O que nesta perra vida já fui traído, enganado, passado para trás, fofocado e injustiçado não foi pouco. Nesses casos, minha capacidade de perceber a situação é quase nula.

Sou capaz de acreditar num escroto como uma virgenzinha do interior acreditava em príncipes encantados. No tempo que havia virgenzinhas e interior, é claro. Príncipes encantados continuam existindo. Não, amiga, não fique com dó de mim. Os amigos e os leais compensaram as enrabadas (metáfora!, metáfora!). Mas de que falava eu? Ah, sim. Dos picaretas, para os quais tenho um faro invejável.

Basta alguém vir com expressões rebuscadas demais, falsamente intelectuais, que meu picaretrômetro soa. Outro dia, para dizer que estava criando temas de campanha, ouvi um picareta dizer que estava montando “eixos argumentativos”. O alarme soou de cara. Eixo argumentativo é um nabo intumescido adentrando nos aconchegos e pedindo licença “desculpe o transtorno, mas estamos trabalhando pelo seu conforto!”.

Picareta não planeja futuras ações, examina as “variáveis táticas”. Nem estuda se vai dar dinheiro, mas calcula a monetização possível. Há uma ritualística constante. Lap top permanentemente aberto, um certo ar alheado na tela e respostas como se estivesse lendo algo que só a ele é permitido acessar. São capazes de afirmar no meio de uma conversa: “a curva de adesões negativas está se aproximando dos argumentos favoráveis de forma que não há como parametrizar as assertivas vis-à-vis o potencial negativo”. Geralmente não quer dizer porra nenhuma, mas impressiona os impressionáveis. Aliás, grosseira expressão essa, “não quer dizer porra nenhuma”. Melhor seria “vazia de conteúdos mensuráveis”. Acho que as atividades mais novas, menos conhecidas, “menos parametrizáveis”, são as que mais atraem esse tipo de gente. Como a internet, por exemplo. Principalmente as chamadas “redes sociais”.

Muita gente, nem todos, graças a Deus, que está trabalhando nesta área, se comporta não apenas como quem descobriu um novo meio de comunicação. Mas como quem descobriu um ser humano diferente, até hoje completamente desconhecido e impossível de ser compreendido pelas antigas réguas e compassos. Conversar com alguém das centenas de milhares que hoje estão se dedicando à vida online é um exercício complicado. É tentar entender um universo paralelo, constituído por pessoas totalmente diferentes das que conhecemos, alimentadoras de uma economia gigantesca, tendo reações estranhíssimas. O que não é verdade.

Trata-se de um mundo habitado por pessoas muito parecidas com a gente, dotadas dos mesmos tipos de medos, angústias, desejos e sentimentos daqueles “bípedes implumes” com os quais estamos acostumados a lidar. Que o ambiente da internet é diferente e, portanto, tende a desenvolver reações específicas a esse mesmo ambiente, tudo bem. Assim é nas escolas, nas cadeias, nas igrejas, nos estádios de futebol e nas surubas. Conhecer o ambiente e seus estímulos é muito importante. Mas aturar chato é outra coisa.

Voltemos ao “picaretrômetro”. Tomei uma decisão fundamental. Para não ter de conviver com meu alarme interno denunciador de fraudes, só converso com autoridades em redes sociais que consigam se fazer entender, que usam um português razoavelzinho e tenham raciocínios lógicos. Para os demais, os chatos, aviso que a curva de atenção está descendente. E mando à putaqueopariu. Pois mãe, independentemente da vida on ou offline, todos tiveram.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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