Há 30 anos, em 1987, Chico Buarque de Hollanda lançava um de seus mais aguardados discos: Francisco. E nele, uma dentre suas mais bonitas canções, em parceria com Cristovão Bastos: Todo Sentimento. Era um “tempo de delicadeza”, cujas pessoas seguiam encantadas ao lado das pessoas que amavam. E era mais que suficiente. La La Land, talvez seja o filme mais festejado e premiado deste ano. Em meu modo de ver, de forma precipitada e desmedida. Na aparência, um filme romântico, no “ranking” dos musicais, uma colocação média, e bem abaixo de três dezenas dos consagrados e realizados nos anos 1950 e 1960. E até mesmo de Moulin Rouge, lançado oficialmente no Brasil no dia 24 de agosto de 2001, de Baz Luhrmann e protagonizado por Nicole Kidman. Talvez, o último grande musical da história.

Mas, voltando ao La La Land, no final cada um segue seu caminho e em busca da realização individual e pessoal. Se circunstancialmente os caminhos se cruzarem tudo bem, caso contrário, segue o fluxo. Zero de tempos de delicadeza. Onde pessoas não diziam nada e seguiam como encantadas ao lado das pessoas que amavam. Prefiro os tempos de hoje. De qualquer maneira, nos tempos de delicadeza, a galera conformava-se em assistir, ver, admirar e brincar de dar notas.

Colada na TV e esparramada no sofá conferia os desfiles das Escolas pela Globo, eventualmente indo brincar e dançar em algum baile de Carnaval ou pagando por um abadá para poder seguir um Crocodilo ou Eva protegido pelas cordas e da pipoca. E aí chega a internet, as redes sociais, um novo tipo de convivência e participação, e ninguém mais quer ficar vendo pela TV e continuar na cômoda e entediante situação de expectador. Quer participar, dançar, aderir, protagonizar. A plateia, tal como a conhecemos um dia, esvazia-se; e o palco, abarrota. Sharing Folia. É o nome do jogo. Mais um dos infinitos derivativos do Sharing World, e da Sharing Economy. Todos participando mediante compartilhamento. Numa mesma vibe, no mesmo nível, solidariamente, e aos milhares, quem sabe, milhões.

E aí vem a vazante do ontem, do tradicional, do protocolar. Camarotes VIP da avenida perdem seus principais patrocinadores. Blocos não contam mais com o endosso das empresas e não conseguem se sustentar apenas da receita de venda dos abadás. A justificativa natural é colocar a culpa na crise conjuntural, a econômica. E não se considera a estrutural, a de mudança radical e definitiva do comportamento das pessoas. Isso posto, agora, faltam ruas, faltam avenidas, sobram camarotes.

Os velhos e tradicionais blocos, dentro de um mundo de ressurgimentos, reaparecem com força, energia, gás, magneto. E brotam, crescem e prosperam aos borbotões e em tempo recorde. Na Sharing Folia, dentro da Sharing Economy, todos se alistam nos blocos. Em vez de patrocinar o esvaziado Camarote da Boa na Sapucaí, a Antarctica decidiu usar o mesmo dinheiro para patrocinar 386 blocos de rua no Estado do Rio e 82 no Distrito Federal. O que ocorre este ano na cidade de São Paulo ninguém foi capaz de prever: de 300 e poucos blocos de 2016, as principais ruas da cidade serão “entupidas” por 495 blocos (+ 63%). Ou três milhões de pessoas – um milhão a mais que no ano passado.

Depois de se reencontrarem ou conhecerem nas redes sociais as pessoas querem se conhecer e se tocar ao vivo e em cores no velho, bom e verdadeiro, analógico – o tal do mundo real. Pessoas de todas as cores, matizes e derivativos. Em tempos de New Normal, finalmente, a Sharing Folia. Todos protagonizam, todos celebram, todos confraternizam. A plateia apoderou-se do palco; a plateia empoderou-se no palco. A pipoca saltou as cordas. Allah-la ô, ô ô ô, ô ôô/Mas que calor, ô ô ô, ô ô ô…

Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing (famadia@madiamm.com.br)