Zygmunt Bauman, sociólogo polonês que morreu semana passada, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, vai fazer muita falta para nos ajudar a tentar entender melhor as mudanças que vêm pela frente.

 Sorte nossa ele ter deixado alguns conceitos prontos para avaliar essa avalanche de transformações sociais, incluindo as de consumo, que nos surpreendem nesses últimos tempos. Elas chegam a ser misteriosas e perturbadoras perante o volúvel eixo de razões e motivos emocionais que estabelecem as necessidades ou desejos por um determinado serviço ou produto. 

 Um desses conceitos de Bauman, simples e abrangente, é a “modernidade líquida”, caracterizada pela intensa fluidez e crescente vulnerabilidade. São aspectos que deixam tudo e todos em um estado mais temporário, com maiores dificuldades de manter os mesmos padrões de entendimento e a mesma identidade por muito tempo. 

Se transpusermos a dimensão líquida para o universo das notícias e da informação, a vulnerabilidade preconizada por Bauman fica ainda mais preocupante. Basta uma simples observação do volume e da velocidade com os quais as informações transitam nas múltiplas plataformas de notícias e no inquietante fluxo das redes sociais para sabermos como tudo pode se evaporar. 

A incessante liquefação dos processos de informação ganha contornos mais preocupantes diante de uma crise de critérios sobre importância e origem de notícias, crise que ainda por cima é claramente agravada pelo fenômeno pós-verdade. Ou seja, mais problemas para o lado mais fraco.

A vulnerabilidade está mais exposta no atual momento político mundial diante da eleição de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos e sua posse, programada para a próxima sexta-feira, dia 20, notícia que será o centro das atenções da mídia norte-americana e, por tabela, dos quatro cantos do planeta.

Entre os grandes grupos de comunicação do mundo, que controlam redes de agências de publicidade e de outras atividades de marketing, o momento é de cautela e sintetizado por incerteza diante do que podem ser as diretrizes do Trumponomics, com ares protecionistas, e suas consequências para as economias de mercados locais na Europa, Ásia, Pacífico, África e América Latina.

Na semana passada, um analista de Wall Street rebaixou as perspectivas financeiras para todas as grandes empresas de publicidade, alegando que a administração de Donald Trump anuncia um “ambiente político mais arriscado” e “incerteza destruidora de capital”. 

Mas, o fato é que a relação de Trump com a mídia tem mostrado um crescente e preocupante desgaste desde sua eleição, em novembro, diante de denúncias de ligações com a Rússia e os agressivos ataques a tradicionais veículos como CNN e New York Times, além da sua conta do Twitter ter apresentado uma série de críticas para a indústria automobilística, para a farmacêutica e para as companhias aéreas que terceirizam trabalho fora dos Estados Unidos. 

A desconfortável situação de Trump com a mídia – ou da mídia com Trump, conforme preferir – ganhou ares ainda mais graves semana passada com a divulgação de um dossiê com supostas informações comprometedoras em poder do governo russo, que incluiriam até vídeos eróticos de Donald em um hotel em Moscou. O dossiê foi elaborado por um ex-agente do serviço secreto britânico.

O desconforto aumentou com a realização da primeira coletiva de imprensa de Trump após eleito, no último dia 11, na qual o novo presidente, com um rude e grosseiro “cala boca” a um repórter da CNN, se comportou de forma absurda e inaceitável para quem tem um título de ocupação da Casa Branca.

 O que vimos semana passada mostra um potencial de grandes conflitos para a informação e para toda a modernidade líquida. Espera-se, porém, tanto de Trump quanto da imprensa e também do mundo, uma sensatez cada vez mais sólida.

Marcello Queiroz é diretor de redação do PROPMARK