Uma das funções mais eticamente complexas de se lidar é a direção de criação. Principalmente quando se faz jus a ela. Circunstância em que as tentações fazem fila à porta da consciência. Chamo de fazer jus ter um bom portfólio sempre atualizado. É ele que vai dar segurança sobre sua capacidade de resolver as coisas criativamente – sejam os desafios a que assumiu tratar individualmente, sejam aqueles em que coordenou e orientou as equipes.

Ser capaz de fazer do conjunto dessas obras – suas e dos outros – a marca de excelência da gestão e, por consequência, da imagem da agência, é o grande mérito do diretor de criação. Mas sabemos muito bem que a conquista dessa percepção a favor do profissional não se dá por “combustão espontânea”. Não basta ser brilhante na realização do trabalho para se tornar famoso, é preciso ser eficaz na divulgação desse trabalho. Então, começa o assombro das tentações.

O que dizer numa entrevista sobre uma peça consagrada, criada sob a sua direção, mas em que não teve nenhuma interferência criativa direta? Uma entrevista é diferente de uma ficha técnica, onde “fazer justiça” é burocraticamente simples. Já uma entrevista é sempre envolvida por uma poderosa ambiência política no que se refere à própria ascensão ou à afirmação do seu gênio, dependendo do momento da carreira.

Ali o diretor de criação não estará dialogando com a sua equipe, movido por ideais de lealdade e reconhecimento dos méritos alheios, mas competindo com ambições de mercado que, para serem alcançadas, exigem do caráter uma combinação de características menos comum, que talvez ele tenha e o restante da equipe não. Significa dizer, por exemplo, que, na disputa por glória e poder, levar preceitos de justeza às raias da santidade poderá ser de uma ingênua ineficácia. E agora? Há quem se retroalimente com um argumento que não deixa de ser verdadeiro: eu criei as condições para isso, então sou coautor de tudo o que veio depois. Mais ou menos como Deus, ao criar o mundo.

Para atender às expectativas da mídia também hão de ser cumpridas algumas praxes: afinal, aprendemos que não basta um fato ter ocorrido para que vire notícia. Para uma obra aparecer é preciso que a autoria reverbere. E, assim, agência, cliente e criação se beneficiam. É sobre esse fio de navalha que caminha o diretor de criação, buscando equilibrar-se entre uma reputação respeitável e uma reputação respeitada.

O resultado final dessa busca vai depender do exercício de uma inteligência capaz de afinar algumas crenças, às vezes, contraditórias. Importante, por exemplo, que sua generosidade seja sempre suficiente para atenuar os seus “pecados”: um conjunto de pequenas bondades constrói crédito para uma grande “maldade”. O diretor de criação vencedor talvez precise ter, ainda, uma habilidade extraordinária de antecipar-se, junto a equipe, às eventuais injustiças contidas numa informação, que serão sempre debitadas à negligência de terceiros.

Enfim, se trata de uma missão para a qual nem todos estão preparados. Às vezes por falta de talento, às vezes por excesso de pruridos.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)