Se um sujeito, por exemplo, faz parte da torcida organizada de um time de futebol e é capaz de participar de um “encontro” marcado pelas redes sociais, para enfrentar integrantes de outra torcida organizada e, nessa ocasião, usar um pedaço de pau para agredir e matar um semelhante, apenas porque ele torce para outro time, qual seria sua dificuldade em matar a pauladas um cãozinho que “invadiu” sua área de supervisão como segurança de um supermercado? Não sei se esse é o caso do homem que feriu gravemente (talvez matou) um cachorro na sede de uma loja do Carrefour, em Osasco, São Paulo. Mas não me surpreenderia se fosse.

Quando trabalhei em Buenos Aires, no fim dos anos 1990, ouvia comentários dos colegas argentinos sobre o pouquíssimo valor que nós, brasileiros, dávamos à vida. Isso não mudou. Eu diria que piorou.

Frequentando atualmente uma escola, em Vancouver, com outros estudantes não-canadenses e que não conhecem o Brasil, tenho perguntado que imagem têm do nosso país e a resposta costuma ser de que se trata de um lugar perigoso. Meu impulso é o de defender-nos. Afinal, o Brasil não é um país em que não se possa colocar o pé fora de casa. Mas sou contido pelo fato de que a violência que fere e mata existe, sim, em estado latente em todos os lugares.

Basta uma motivação qualquer para que exploda (torcer por um time de futebol certamente é uma das mais estúpidas e letais). Falta ao brasileiro, em geral, civilidade. Ele não está pronto para ferir e matar apenas por uma decisão objetiva – um hiato de grave anormalidade em sua vida. Ele fere e mata porque não tem estofo moral e ética que justifique relevar ou perdoar alguma “ofensa”. Nem a formação acadêmica nem a religiosidade conseguem superar essa pré-condição primitiva que acompanha o nosso cotidiano.

Experimentando uma vida, digamos, mais civilizada, percebo que não é o que você ainda não fez de mal ou de errado que garante que não vai fazer mal ou errar às vezes, mas, sim aquilo que você, necessariamente, faz de bem e de certo, permanentemente.

A gentileza, mesmo que “automática”, está presente no cotidiano dos canadenses (pelo menos, na rotina que estou vivendo em Vancouver); uma disciplina elementar protege a própria vida e a dos outros, em todas as atitudes que envolvem uma necessária convivência.

Sinto que falta a nós, brasileiros, essa estrutura básica de educação que, uma vez incutida na mente, transforma as pessoas em seres perfeitamente sociáveis.

Enquanto isso não merecer um sério e amplo estudo, principalmente focado na formação de educadores, nossas piores características estarão sempre protagonizando cenas chocantes. No caso ocorrido no Carrefour, não se trata, portanto, apenas da insensibilidade com relação à vida de um animal.

O sujeito que feriu (talvez matou) o cachorro, possivelmente feriria (talvez matasse) um garoto que perturbasse os clientes, pedindo dinheiro no estacionamento. Pegos de surpresa, responsáveis pela empresa tentam, com patética inabilidade, dar a entender que encaram como tragédia, o que todos sabemos, não fosse o escândalo provocado, aceitariam como um fato banal.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimircom@gmail.com)