Tenho dito que já não aguento mais dois assuntos: empoderamento feminino e millennials. O primeiro, porque eu não tenho mais dúvida nenhuma do poder feminino; o segundo, porque o estereótipo pintado para os millennials me cansa. Eu me relaciono com jovens enquadrados demograficamente no perfil millennial e percebo muitas diferenças entre eles. Então essa história de “eles são assim/eles são assado” me parece sempre mal contada.

Sim, admito que existam muitos pontos em comum nos jovens dessa faixa etária, mas considero idade uma coisa fluida e nem sempre definidora de comportamentos. Por exemplo, o tiozão aqui adora música eletrônica. Enquanto pessoas da minha idade relaxam com músicas calminhas, eu gosto do tundetunde.

E o meu filho é fã de bossa nova, gosto surpreendente para sua idade. Num mundo repleto de tribos das mais diferentes espécies, é difícil estabelecer clusters com muita precisão. Mas um fato recente me fez refletir sobre um comportamento, que não é exclusivo dos tais millennials, mas muito presente entre eles: a relação hipnótica com o smartphone. Tenho feito apresentações sobre os cases vencedores e as tendências do Cannes Lions 2017 Brasil afora.

As apresentações são dirigidas a publicitários em geral, mas também para estudantes. Excepcionalmente, atendendo ao pedido de uma solicitação especial, estive numa grande universidade fora de São Paulo para uma apresentação exclusiva a estudantes daquela escola.

Fazer uma apresentação para estudantes de publicidade, que estão mais ligados no seu smartphone do que nos cases e tendências do mais importante festival de criatividade do mundo começou a me irritar muito. Entendo perfeitamente a utilidade do smartphone num evento como esse. Eu mesmo assisto a palestras e apresentações com o celular na mão.

Fotografo, comento via redes sociais e compartilho o conteúdo. E boa parte da plateia desses estudantes também estava com esse comportamento: curtindo a apresentação, mas postando de quando em quando. Mas tinha um grupo que me irritava profundamente. Era só eles e seus smartphones.

Não havia o palestrante, os colegas, os professores. Não havia mais nada além das múltiplas mensagens telegráficas dos seus smartphones.

Para testar esse comportamento, eu brinquei com a sua situação. Usando o microfone, eu me dirigia especificamente a eles: “Aí, turma do smartphone, esse case vai fazer vocês se ligarem em uma outra tela! Dá uma olhada!”. E nada! Aí apelei: coloquei um faixo de luz do laser pointer sobre eles.

Finalmente, alguns deles se tocaram e acordaram do seu transe hipnótico, olhando para mim e para seus colegas que os zoavam pelo mico que pagaram. Prestaram atenção a uns dois cases e… lá estavam eles de volta à tela do smartphone. Repito que esse não é um comportamento exclusivo dessa faixa etária.

Basta olhar para a plateia de qualquer evento com palestras. A maioria está com os ouvidos ligados na palestra (espero!) e os olhos pregados no celular. Eu mesmo me pego com esse comportamento. Dizem que esses jovens são multitela, multitarefa… Isso pode ser algo bom. Mas o que me preocupa é a alienação e a falta de profundidade.

De fato, a proliferação de conteúdo rápido e rasteiro existente na internet, mais especificamente nas redes sociais, dá a falsa sensação de que estamos nos atualizando, matando nossa curiosidade, gerando conhecimento. Mas, outro dia, assistindo a mais uma das sempre boas apresentações do Walter Longo, ouvi dele que existem três tipos de curiosidades: a diversiva (genérica e superficial), a empática (em relação à vida de outros) e a epistêmica (aprofundada e estratégica).

Parece que os tais millennials só satisfazem dois tipos de curiosidade, deixando de lado a epistêmica. Talvez nenhum millennial tenha chegado até o fim deste texto. Afinal, são 4.000 caracteres. Mas arrisco mesmo assim um conselho: vá um pouco além dos 280 caracteres. Lá no fundo de um bom texto, há um fantástico mundo a ser descoberto.

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências
de Propaganda) (alexis@fenapro.org.br)