Acabo de perceber que minha atuação como colaborador deste jornal está indo para seu décimo ano. Wow! dez anos! Quanta coisa aconteceu nesse período de tempo! Lembro muito bem quando discutíamos o nome da coluna e eu sugeri Beyond the Line. Por que beyond? Porque à época eu atuava no setor que hoje chamamos de live marketing (antes, marketing promocional ou promo) e incomodava a história de BTL – Bellow the Line.

Bellow coisa nenhuma! Vociferavam os players do setor, que já conquistava mais da metade das verbas de marketing. De fato, criar uma linha separadora das ações ditas above the line (basicamente propaganda) e bellow the line (promoção, eventos, programas de incentivo e ativação) era uma iniciativa arrogante da classe que se julgava “acima” das demais.

O tempo passou e vejo, com grande satisfação, que a escolha do nome foi muito apropriada para aqueles tempos e é ainda mais acertada para os dias de hoje. Mais do que nunca, estamos vivendo uma era “beyond”. Beyond gênero, beyond raças, beyond credos, beyond cores, beyond idade…

Cada vez mais a sociedade rejeita as linhas divisórias e discriminadoras. Em evento recente (Futures São Paulo – WGSN), vi uma apresentação muito interessante sobre a forma com a qual identificamos as pessoas e a reação que vem existindo a esses rótulos.

Basta ver o conjunto de características existente na nossa Carteira de Identidade: idade, sexo (gênero), nacionalidade, filiação. Será que tais características nos definem? Vejamos: nossa idade é cada vez mais fluida e irrelevante para diversas situações. Eu posso ter a idade cronológica de um tiozão, mas ter os mesmos interesses de alguém nascido uma ou duas décadas antes.

Podemos consumir as mesmas roupas, frequentar os mesmos lugares, ouvir as mesmas músicas, mesmo com idades muito diferentes. Conheço millennials caretas e tiozões antenados.

Conheço pessoas com mais de 80 anos superprodutivas e jovens de 30 inativos. A idade não é suficiente para definir pessoas do nosso tempo. E a questão de gênero… Mulher é assim, homem é assado, LGBT é aquilo outro…

Está cada vez mais fora de moda rotular pessoas por gênero, concorda? Nacionalidade também é uma coisa fluida.

Outro dia, assistindo a um torneio de tênis, acompanhei um tenista que é filho de russos, nascido em Israel, nacionalizado canadense e mora nas Bahamas. Qual sua nacionalidade?

No Brasil, temos portugueses, espanhóis, italianos e japoneses que se dizem mais brasileiros que muitos compatriotas, nascidos no nosso país.

É claro que ainda somos arraigados a um país, a uma cultura, mas a tendência é que a nossa nacionalidade seja cada vez mais fluida, menos discriminadora. E finalmente filiação. Tenho uma amiga que decidiu ter um filho sem a participação de um homem. É cada vez mais comum a existência de filhos de um casal composto por pessoas do mesmo sexo. É preciso nos descondicionarmos desses rótulos e encarar com naturalidade uma nova forma de enxergar pessoas. Uma outra variável é o trabalho. A minha geração foi acostumada a acrescentar a empresa como parte da sua identidade. Quem é aquele cara? É o Alexis, da Coca-Cola. O Alexis, da Fenapro.

As relações de trabalho também tendem a ser cada vez mais fluidas, com menos vínculos. Por outro lado, paradoxalmente, os algoritmos tentam nos aprisionar em bolhas de interesse, criando linhas divisórias entre grupos.

Numa recente palestra da Regina Casé, no Festival de Gramado, foi divertido vê-la se dizendo empenhada em “pirar” os algoritmos, tal a sua diversidade de interesses. Vendo tudo isso sob a ótica de uma agência de propaganda, fica clara a necessidade de uma visão beyond the line, sob todos os aspectos, principalmente na definição de amplitude do seu modelo de atuação. Não devemos mais pensar em on separado de off, ou em above x bellow.

Viva o beyond the line!

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências
de Propaganda (alexis@fenapro.org.br)