Os tempos de incerteza passaram. Os jornais impressos encontrarão o modelo comercial ideal capaz de sustentar o jornalismo de qualidade nas novas plataformas digitais. É o que acredita Pedro Doria, editor-executivo de plataformas digitais do jornal O Globo, cargo criado em março deste ano para liderar a transição do jornal para o mundo digital. O fato de manter-se firme no modelo original do bom jornalismo, com repórteres na rua, apurando informações e investindo na qualidade da informação, fez com que O Globo encontrasse o seu caminho no novo mundo das plataformas digitais, ampliando sua atuação para todas elas de maneira gradual, sem perder o foco da sua origem “tradicional”.

Um grupo de jornalistas do veículo e convidados reuniu-se na última terça-feira (11), no auditório do jornal no Rio de Janeiro, para assistir ao documentário “Primeira página: por dentro do New York Times”, que mostra os bastidores da produção do jornal num período em que os diários americanos enfrentavam sua maior crise, entre 2009 e 2010. Participaram de um debate, logo após a exibição do documentário, além de Doria, o jornalista Mauro Ventura, o repórter d’O Globo Chico Otávio e o colunista Merval Pereira. O consenso entre eles é que o clima fúnebre entre os jornais impressos definitivamente acabou: a notícia não muda. O fundamental para a sobrevivência dos jornais ainda é ter repórteres com boas fontes.

“A reportagem sobrevive. Admiro os blogueiros, mas quando estou na rua não esbarro com nenhum deles. É preciso estar presente”, opinou Otávio, um dos principais repórteres investigativos de O Globo. Doria acredita que o bom jornalismo é fruto de um trabalho coletivo, no qual as histórias vão crescendo e se transformando. “Por isso raramente os furos saem de blogs independentes”, disse. Merval Pereira reforçou a teoria de Doria ao lembrar que os blogs mais populares de hoje em dia são aqueles ligados a grandes grupos jornalísticos. “Me lembro de anunciar, há cerca de 15 anos, no jornal O Globo, que dali para frente os principais furos teriam de ir para a internet. Isso causou um mal-estar muito grande na redação. Mas hoje não tem jeito: o hard news tem que ir para a internet”, afirmou.

As diversas plataformas não mudaram a necessidade de se produzir reportagens de boa qualidade, mas mudou o processo dentro das redações. Doria teve que reestruturar o funcionamento da redação do jornal, alterando os ciclos da operação. “É preciso produzir as matérias para o jornal impresso, mas olhar para a web, que já é quase uma plataforma tradicional, e pensar nos tablets”, explicou Doria. Para ele, a vantagem das plataformas digitais é a queda significativa do preço de reprodução do conteúdo. Nesses novos tempos, e depois de observar bastante o que vem acontecendo ao redor do mundo, é possível vislumbrar um modelo de negócio na mídia digital baseado em publicidade e assinaturas. “O NY Times apresentou o primeiro modelo de negócio com cobrança de assinaturas na web que está funcionando. Não estou mais preocupado, a conta vai fechar”, ressaltou.

Merval Pereira acredita que, embora as empresas tenham que dar lucro, é preciso entender que os jornais são guardiões da democracia e têm uma missão. “Os empresários de jornal precisam entender a função social do jornalismo e tirar, sim, lucros, mas zelar pelos valores essenciais desse negócio.” Nesse embalo, Doria confessou, por exemplo, que n’O Globo a primeira página é feita por jornalistas “de cabelos brancos”, mais experientes, embora a redação esteja cheia de jovens. “Gostamos dos furos, sim, mas não nos incomodamos em tomar um se houver alguma dúvida naquela notícia”.

Presidente da Euro RSCG Rio, Armando Strozenberg esteve no encontro e disse que, da mesma forma que a força da ideia na publicidade, o bom jornalismo é que vai garantir a continuidade da espécie no futuro. Outro publicitário, Flávio Cordeiro, sócio e diretor de planejamento da Binder Visão Estratégica, também participou do evento e comentou que o filme e o rico debate apontaram para uma grande conclusão: que é preciso ter cuidado com as profecias apocalípticas.

“O consumidor de informação tem se demonstrado muito mais complexo do que gostariam os puristas, tanto do lado da ‘tradição’ quanto do lado da ‘revolução’. Na feliz expressão do Pedro Porto, estamos assistindo a um movimento de  diversificação na dieta de consumo de informação, e, como todo bom nutricionista sabe, não há nada mais saudável do que uma dieta rica e diversificada. A diferença fica por conta de quem será capaz de fazer o dever de casa bem feito. “O NYT tem demonstrado que é possível”.

por Claudia Penteado