TV Globo, Folha de S.Paulo, Época, The Guardian, Estadão… A lista não para de crescer. Estes são apenas alguns veículos de comunicação que renovaram sua tipografia nos últimos meses. A mudança não é coincidência. Desde os tipos móveis de Gutenberg, a tipografia sofreu grandes transformações, precisando se adaptar não mais apenas ao papel, mas às múltiplas telas, e, consequentemente, aos novos formatos de leitura e de público. 

A renovação quanto à forma que essa comunicação é apresentada entra como parte dos esforços dos veículos de estabelecer uma nova voz, ou reforçar sua personalidade em meio aos diferentes pontos de contato. “Cada empresa tem sua personalidade, o que a gente faz é conversar com sua equipe para entender todo esse universo que permeia a marca e criar uma voz própria para ela. A gente encontra essa voz e traduz visualmente”, explica Rodrigo Saiani, fundador e diretor de criação da Plau Design, agência responsável pela Globotipos, nova família tipográfica da TV Globo.

Segundo o executivo, a mídia tradicional como um todo tem se preocupado em mostrar ao público que se modernizou, ao mesmo tempo em que também preserva ativos preciosos conquistados ao longo de décadas de história. “A TV Globo quis fazer uma transição suave. Manter sua história e o quanto ela representa. Desde o primeiro momento entendemos que seria uma evolução tipográfica, e não revolução da marca”, destacou o executivo, que liderou o projeto ao lado da equipe de arte da própria emissora. “A gente vem desde 2014 com a evolução, mostrando que temos uma marca que está em movimento, que está sempre em transformação. A gente sentiu que a tipografia precisava acompanhar essas mudanças”, explica Alexandre Romano, diretor de arte da Rede Globo.

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Mais do que uma mudança meramente estética, a renovação tipográfica reflete a identidade das marcas. Daí o cuidado de não se afastar tanto de sua essência ao ponto de o público não reconhecer mais o interlocutor do diálogo. Para a Globotipos, por exemplo, foram pensadas as referências ao jornal O Globo, sobretudo a letra “G”, que traz personalidade e identificação com o público. No videocase que mostrou as mudanças, a empresa explica que a reformulação buscou uma comunicação mais global, multiplataforma e flexível. Para Camila Moletta, head de design da Isobar Brasil Group, os cases da TV Globo e do The Guardian, por exemplo, mostram como marcas fortes entendem sua tipografia como equity importante. “A família tipográfica deve refletir a personalidade da marca por meio dos seus atributos. Se a marca é disruptiva, jovem, confiável, energética, bem-humorada, tudo isso é refletido no desenho tipográfico”.

Equilíbrio
Os esforços para mudar, “pero no mucho”, têm orientado o trabalho de quem atua no mercado. Nesse universo, criar fonte própria a partir do zero acaba sendo a melhor maneira de imprimir em cada detalhe a personalidade do veículo. “Quando se fala em família tipográfica personalizada estamos falando no alfabeto único que cada empresa cria. Vejo isso no sentido de fortalecer a identidade e a cultura da empresa junto aos seus stakeholders. É muito significativo uma empresa ter um família tipográfica para ser chamada de sua”, ressalta Mario Narita, CEO do escritório Narita Design.

Outro ponto importante a ser considerado é o fator financeiro. Segundo Saiani, como o projeto deve ser instalado em todos os computadores dos veículos, a franquia de fontes que já existem pode custar uma pequena fortuna. Para a Globo, a Plau criou um conjunto de fontes com três estilos: Texto, Rounded e Condensada, bem como todos com os seus respectivos itálicos, somando 30 fontes no total. “Imagine uma fonte utilizada no varejo, por exemplo, que é aplicada em vários computadores. Quando não havia internet, não era preciso pensar em fonte para instalar na web ou aplicativos. Hoje você tem tudo isso, além de inteligência artificial, realidade aumentada etc. Ou seja, você fragmenta esse licenciamento, deixando ele mais caro. Principalmente quando você lida com uma marca grande com milhares de usuários”.

Ainda no hall de desafios de renovação tipográfica, a informação, acima de tudo, deve ser privilegiada, ou seja, deve ser levada em conta a legebilidade das fontes em suas inúmeras aplicações de tela. “O maior risco é encontrar esse equilíbrio entre os elementos que são consistentes no desenho tipográfico e os que são flexíveis. Quais são os elementos que vão garantir que você ainda está se comunicando com a mesma marca? Quais variações vão permitir que se consiga uma boa legibilidade desde texto para mídias impressas até aplicativos VR?”, defende Camila.

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Anunciado no mês passado, o novo projeto gráfico da Época incluiu mudanças de layout e tipografia. O projeto é assinado pelos designers Claudia Warrak e Raul Loureiro. Elemento fundamental em um veículo de comunicação, a tipografia escolhida permite mais texto por página, sem que pareça comprimido. O layout prioriza o equilíbrio entre colunas de texto e áreas brancas, o que ajuda a distinguir as páginas editoriais das publicitárias. “O jornalismo profissional é um pilar crucial numa democracia. Mais do que nunca, precisamos de análises claras, de comentários esclarecedores, de reportagens de fôlego e de informação verdadeira. E precisamos fazer isso tudo com rapidez, com habilidade para publicar nosso conteúdo em diversas plataformas, sendo atraente sem deixar de ser informativo”, justifica Daniela Pinheiro, diretora de redação da Época.

Também em fevereiro, a Folha anunciou mudanças no digital. Segundo o editor-executivo Sérgio Davila, as mudanças do site antecipam a reforma visual prevista no impresso, para os próximos meses. Mais do que mudanças na aparência, houve preocupação técnica para levar o leitor a uma página mais limpa e com tipografia maior para facilitar a leitura.

O esquema de cores e contrastes de fontes em preto e branco também foi testado para facilitar a navegação. Para Camila, vale a reflexão sobre o papel cada vez mais relevante da tipografia nos processos de comunicação, mas a designer faz um alerta: “Tipografia sozinha não entrega todos os atributos de marca. Ela precisa ser associada a paleta de cores, elementos gráficos, fotografia e outros recursos de linguagem para construir uma personalidade forte”.

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