A maldição do Fontoura

Juro que volto para o título já já, mas, por hora, quero falar um pouco do passado. Minha primeira vez em Cannes foi em 2001, quando ganhei dois Leões de Media. Não tenho certeza, mas acho que fui o primeiro mídia brasileiro a levar dois Leões em um único festival. Como já faz algum tempo, porém, posso estar errado…

Foi em 2001 também que Gerard Levi, presidente da AOL Time Warner, recebeu o título de “Homem de Mídia do Ano” e, na época – para comprovar que Cannes é um festival que prenuncia tendências –, deu entrevista dizendo que o momento de ouro da propaganda ainda estava por vir, alertando os publicitários que eles precisavam “se preparar para o mundo novo da tecnologia digital e da interatividade”.

Mais de uma década depois, Cannes nos mostra que não só a tecnologia e a interatividade vieram para ficar, como também o profissional de mídia (não tem como não puxar uma sardinha para o meu lado) deixou há muito de pertencer a uma área essencialmente técnica e especialista, para dar vazão a profissionais conectados e criativos. Sim, criativos, afinal, alguns dos grandes cases da publicidade mundial exibidos em Cannes nos últimos tempos partem da mídia.

Bem, mas voltando à Côte D’Azur, minha relação com Cannes vem muito antes disso. Vem do tempo em que trabalhei na DPZ (aliás, minha primeira agência). Foram 13 anos convivendo com Leões. Leões do Neil, do Washington, do Ruy, do Serpa, do Gama e de tantos outros que me fizeram me sentir em casa quando pisei no Palais pela primeira vez. E, como ganhar Leões em Cannes já não é novidade para o país do futebol (que também, em número de delegados e em performance, tem se consagrado como o país do festival), o interessante é poder ler e/ou escrever sobre as curiosidades que cercam esse evento.

É claro que assistir às palestras, às peças que vão para o shortlist e passar o dia no Palais é interessante e necessário, mas, com certeza, muitos que aqui escreveram sobre Cannes trataram do tema. Então, prefiro falar das coisas que rolaram extracampo. Não vou me meter aqui a falar dos restaurantes. Mesmo porque tenho péssima memória e não vou lembrar dos nomes. Mas lembro, sim, dos vinhos, sempre sugeridos pelo Juca de Campos, meu companheiro de algumas dessas idas a Cannes.

Por falar nisso, o que seria de Cannes não fossem os companheiros?

Foi com alguns deles que aluguei um apartamento “sur la mer”, bem próximo ao Palais. A copa do mundo já tinha começado e nós assistíamos Espanha x Alemanha, na sala, tomando uma cerveja belga com um teor alcoólico tão alto que poderia ser batizada de “Jesus me chama”. Na varanda, além da bandeira do Brasil tremulando, tínhamos instalado uma câmera de vídeo que capturava o movimento lá na praia.

Quanto mais belgas tomávamos, mais a bandeira tremulava e mais cenas bacanas vinham através da lente de nossa câmera, até que uma senhora de uns 80 anos (é claro, de top less) nos denunciou, gritando alguma coisa parecida com: “Olha lá os brasileiros filmando a gente”.

Bom, desarmamos o circo e fomos ao “Pelorin”, atrás de um lugar mais “tranquilo” para terminar de assistir ao jogo. Éramos principiantes! Então, vale a justificativa de não sabermos que a tal da ladeira cheia de restaurantes, que fica na parte antiga da cidade, carinhosamente assim batizada pelos nascidos na “Terra Brasilis”, de calma não tem nada.

Com o passar dos anos, fomos aprendendo também a lidar com o charme da cidade. Corridinha básica à beira mar, fim de tarde no Carlton, festas à noite e madrugadas regadas à cerveja cara e quente no Martinez, sempre rodeado por incríveis personagens locais: as “Oncinhas”, mãe e filha, assim dizem, pra citar as mais famosas. Sem contar as fugidas básicas para os arredores de Mônaco, St. Tropez, Eze, Grasse, St. Paul de Vence, Antibes e tantos outros.

Enfim, voltando ao título deste artigo, 12 anos após minhas idas e vindas a Cannes, o festival trocou de dono; surgiram várias outras categorias e novas formas de se comunicar; as palestras e os seminários se tornaram a bola da vez; o Facebook nos conectou ainda mais com o mundo e o Google me trouxe várias descobertas.

Mas, mesmo assim, ainda não consegui desvendar um mistério que me atormenta todo ano: a tal da “Maldição do Fontoura”.

Alguém poderia me contar, por favor, de que se trata?

Santé!

*sócio e vice-presidente de mídia da Leo Burnett Tailor Made