Soja, café, carnes e minério de ferro, por exemplo, são produtos made in Brazil que são exportados e têm impacto na balança comercial brasileira, que ano passado teve superávit de US$ 19,7 bilhões. Mas a pauta também envolve os talentos brasileiros. A publicidade tem sido responsável pelo envio para o mercado internacional de mais de 300 profissionais nos últimos cinco anos, alguns deles benchmark com a reputação que construíram no país como diretores de criação. É um processo inverso, claro, relacionado à crise econômica que não só encolheu o trade formado por agências, veículos e anunciantes, mas também contempla os desafios relacionados à tecnologia digital que, apesar de estar bem avançada por aqui, ainda não faz frente ao desenvolvimento de países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Japão, por exemplo. 

Com a chegada das agências de publicidade, como McCann-Erickson e J. Walter Thompson, ao Brasil na década de 1930, a atividade ganhou requinte com técnicas que ajudaram no processo evolutivo do mercado brasileiro e na sua modelagem baseada no tripé criação, mídia e planejamento. As multinacionais como Exxon, Shell, Sidney Ross e Unilever exportaram para cá profissionais de mar-
keting que foram decisivos na estrutura local com seus conhecimentos da ciência mercadológica. Certa ocasião, no início da operação da MPM em São Paulo no finalzinho dos anos 1950, o executivo Adão Juvenal de Souza chegou com a seguinte questão ao sócio e fundador Petrônio Corrêa: “O cliente falou que gostaria de definir um planejamento de marketing para todo o ano! O que é marketing?” Petrônio, já falecido, disse que o assunto
virou um grande problema interno na agência. A MPM tirou de letra e logo virou referência na publicidade tupiniquim.

O cenário econômico adverso do país estimula a migração. Mas os players do mercado externo gostam de ter em seus quadros o calor criativo dos trópicos na veia, afinal o Brasil tem algo muito valioso para as empresas nesses tempos marcados pela competitividade extremada: soluções e rapidez nos processos. 

André Laurentino, diretor global de criação da Ogilvy para a Unilever em marcas como Dove, Comfort, Pond’s, Hellmann’s e Omo, explica. “Para criar campanhas globais, é fundamental saber ver o mundo com o olhar do outro. Ouvir mil vezes antes de falar. Acabamos de fazer campanhas institucionais para Dove, por exemplo, para a França e para a Índia. São ângulos inteiramente diferentes. O sucesso dessas campanhas, que falam direto ao coração, se deve à sensibilidade humana de nossas antenas, da qualidade de nossos insights, de como pesquisamos, de como lemos essas pesquisas. É fascinante”. Mas o Brasil continua como fonte de inspiração.

Laurentino construiu sólida carreira na Lew’LaraTBWA. Estava na DM9DDB quando recebeu convite em 2010 para atuar no escritório da TBWA, em Londres. Mais tarde migrou para a Ogilvy.

“Os primeiros anos não foram nada fáceis. O Reino Unido ainda estava em recessão e havia muitas concorrências. Como dizem os ingleses, “I hit the ground running”. Mas a pressão e o tranco não foram novidade para mim (troquei Olinda por São Paulo aos 20 anos de idade e tirei tudo do chão com as unhas. Ou seja, sou imigrante desde 1993: estou acostumado a ter algo a provar). Ganhamos algumas concorrências globais de peso, nas quais fui o líder criativo, conquistamos uma dezena de prêmios importantes e as coisas começaram a melhorar. Três anos depois, mudei para a Ogilvy, também em Londres. Foi curioso chegar em outro ambiente e reconhecer algumas pessoas do mercado local inglês. Criativos, ex-clientes, fornecedores. Me senti mais em casa, pois notei que já estava começando a construir uma outra história por aqui”. Na maioria das vezes é fácil trabalhar com brasileiros. Somos um povo que busca alternativas, dribla barreiras e tira leite de pedra. E damos duro: ninguém no mercado publicitário brasileiro tem medo de trabalho. Isso impressiona. A formação profissional do Brasil é o BOPE da publicidade mundial. É como diz um repente nordestino, quem trabalha no ritmo do brasileiro “ou sai defunto ou sai doutor”, prosseguiu Laurentino.

A ideia de ter uma experiência no exterior era projeto que Renato Fernandez, diretor global de criação para a marca Gatorade na TBWAChiat/Day, alimentava há algum tempo. Tomou a decisão de se mudar para Los Angeles quando viu que a fronteira entre off e on-line estava se deteriorando. Fernandez atuou na AlmapBBDO e ganhou notoriedade na equipe liderada por Marcello Serpa com a performance da agência no Festival Internacional de Criatividade de Cannes. No passado, ganhou Leão de Ouro no Cannes Lions na área Film com a campanha “Made in New York – Derek Jeter”, para Gatorade. 

“Nesses quatro anos eu vi a publicidade se transformar. O celular virou a televisão. É onde todo mundo assiste tudo. A mídia impressa realmente está vivendo seu crepúsculo. Para cada reunião que eu tenho com a CBS tenho cinco com o Google, Snapchat e Twitter. Vivemos na era Darwin-Wahol: só os mais fortes sobrevivem a seus 15 minutos de fama”. Fernandez diz um pouco mais: “O Brasil pode estar em crise, mas não o brasileiro. Construímos uma reputação de excelência criativa e dedicação que é difícil de encontrar nos EUA. Se as agências pudessem, só contratariam brasileiros. Temos a fórmula do sucesso: bom gosto, talento e bom humor. O Brasil é um país multicultural então é muito fácil se adaptar a qualquer mercado”, completa.

 

Messi

Fernandez diz mais: “Eu trabalho somente com Gatorade. Parece pouco, mas são três clientes completamente distintos. Tenho o cliente americano que produz cerca de oito campanhas anuais, entre ações de marca e produto. O segundo cliente é relacionado à branded content, que era pequeno e triplicou de tamanho. Desenvolvemos para ele uma plataforma chamada “Athlete Journey”, que é uma maneira de permanecer o ano todo produzindo conteúdo (always on). A demanda é gigante. Então contamos histórias dos atletas inspirados pelas motivações deles, usando o tagline “Win from within” (vencer vem de dentro). E por último, o olhar global. Gatorade sempre foi fragmentado globalmente, deixando para os mercados locais a responsabilidade de construir a marca. Historicamente, havia apenas uma campanha global por ano. Resolvi mudar isso e somente esse ano já foram duas e estamos preparando mais duas. Uma delas, “Don’t Go Down”, para o Messi, foi uma ideia completamente proativa. E o resultado foi expressivo. Foi o vídeo mais compartilhado pelo Messi na internet (de marca ou não). Messi adotou a plataforma completamente, colocou o logo na capa do seu Facebook e repostou o vídeo depois do Barcelona ter perdido quatro jogos seguidos, para provar que nunca se deve deixar derrotar pelas adversidades. Tudo isso voluntariamente. O trabalho tem chamado muita atenção e os mercados locais ao redor do mundo agora buscam nossa ajuda. Estou atuando muito em parceria com China, Brasil, México e Canadá. O Brasil, por exemplo, já tinha uma grande excelência criativa, mas sempre esbarrava em limitações de orçamento e disponibilidade de atletas. Recentemente ajudei a viabilizar um filme que eles criaram para o Usain Bolt encaixando-o  em um set que estávamos fazendo. E posso garantir que valeu a pena”.

Ter um perfil mais global e agregar novas dinâmicas ao pensamento criativo foi o que atraiu André Felix, vice-presidente de criação da Y&R Bravo em Miami para marcas como Coca-Cola, Fedex, Dell, beIN Sports e SabMiller, a deixar o Brasil. Mas diz que o que aprendeu no mercado brasileiro foi propositivo para atuar no mercado norte-americano.

“Aprendemos no Brasil a nos virar e, para muitos, essa visão regional é ruim, mas posso garantir que essa ‘educação’ faz com que o profissional tenha vantagens em um cenário internacional, pois a escola brasileira tem fundamentos que permitem adaptação em qualquer lugar. O brasileiro faz seu trabalho acontecer com o cliente e com o orçamento disponível, porque esse é o único jeito de se destacar. A competitividade para entrar e permanecer em uma agência no Brasil é bem maior. Então, chegamos ao mercado externo treinados. Mas, apesar da excelente reputação criativa do Brasil no mundo, é preciso entender que no exterior a cultura, os processos e objetivos são bem diferentes”.

Diretor de criação da 360i, do Dentsu Aegis Group, Fábio Seidl diz que fronteiras geopolíticas não são capazes de impedir o desenvolvimento de ideias. Seidl acaba de criar a campanha global de Cannon. “É um aprendizado constante e isso é um combustível sensacional, especialmente em um mercado tão internacional como o de Nova Yorque. No escritório da 360i falamos mais de 20 línguas. São pessoas de dezenas de países diferentes compartilhando culturas, ideias e humor”.

Miguel Bemfica é veterano no mercado externo. Atualmente é diretor global de criação da McCann, com base em Londres, para os clientes Zurich Insurance e Nespresso. Chegou à Europa em 2008 em meio à crise, mas como já estava acostumado com os problemas da economia brasileira, encarou com naturalidade.

“Sempre digo que se você quer que a sua campanha tenha um approach global, deve sempre lembrar daquela frase do Tomas Mann que dizia: ‘Se você quer que o mundo te dê ouvidos, primeiro cante para a sua aldeia’”. Bemfica diz mais: “Que sorte ser brasileiro quando você está trabalhando fora. Especialmente se você trabalha em publicidade. Somos muito valorizados aqui como criativos bem hard workers, na maioria dos casos apaixonados por nossa indústria, talvez porque no Brasil a profissão tem um status que na Europa já não existe. Talvez porque trabalhar em publicidade não é tão cool aqui fora quanto no Brasil. Mas ser brasileiro é um grande cartão de visitas”.

 

Madeixas

No portfólio da Unilever desde 2011 quando a multinacional anglo-holandesa adquiriu a Alberto-Culver, especialista em produtos profissionais, a marca Nexxus está desembarcando no mercado brasileiro com planos de trazer mais especificidade para as consumidoras do país que não dispensam cuidados com seus cabelos. A empresa já comprara a Tresemmé anteriormente e com a formalização do negócio agregou definitivamente a linha de salão de beleza ao universo de produtos para hair. O executivo Rafael Lopes, gerente global de Nexxus na sede da Unilever em Londres, disse que a absorção da marca fez sentido porque é um complemento para a empresa que conta com Dove, Clear, Suave e Seda, historicamente líderes de mercado, mas generalistas sem atingir um segmento tão específico, ou, nas suas palavras, “um território que não tínhamos até então”.

A expertise da Alberto-Culver em salão de beleza, principalmente na América do Norte, região que concentra os maiores volumes de vendas da Unilever que anualmente somam em todo mundo 53,3 bilhões de euros e atinge dois bilhões de consumidores por dia, é bem-vinda no Brasil, o quarto país a ter Nexxus nos pontos de venda depois dos EUA, Canadá e Inglaterra. Segundo a Unilever, as brasileiras têm conhecimento de causa quando o assunto é cabelo: ingredientes adequados, tipos de cabelo e estilo para cada momento das suas vidas.

“As brasileiras são as que mais transformam o jeito natural com procedimentos químicos e mecânicos. E a beleza do mercado é que elas vão ao cabeleireiro, mas sabem o que vão fazer. E têm em mente os passos essenciais para o que chamamos de regime completo: shampoo, condicionador, creme de tratamento e máscara reconstrutora semanal. Para se ter uma ideia, nos EUA são apenas dois procedimentos. O conhecimento dessas combinações tem conexão exata com Nexxus que é uma marca construída em torno desse ritual. Temos coleções com os quatro steps e outras com três, todas especialistas”, relata Lopes. “As primeiras linhas serão Emergence e Oil Infinite, mas no próximo mês de julho será ampliada com Youth Renewal e Nutritive”, finaliza.