Luiza Trajano dispensa apresentações. Mas sua trajetória profissional é tão surpreendentemente boa que sempre vale a pena refazer a história. A moça, formada em direito pela Faculdade de Franca, em 1972, é a responsável por transferir uma rede de lojas localizadas no interior de São Paulo para todo o país. Não é por acaso que ela acaba de ser eleita a Marketing Citizen do Prêmio Marketing Best. A seguir, Luiza fala desse reconhecimento e outros assuntos

 

Ela começou a pegar no batente cedo, aos 12 anos, como balconista em uma das unidades da empresa da família, localizada em Franca, no interior de São Paulo. Foi atrás do balcão, atendendo à clientela, que Luiza Helena Trajano traçou seu destino. Formada em direito, assumiu a liderança do negócio da família em 1991 e a rede, que começou como A Cristaleira, virou a potente Magazine Luiza.

 

Luiza Trajano, que acaba de ser reconhecida como Marketing Citizen 2018, é hoje uma das executivas mais respeitadas do varejo. Não é por acaso. Foi ela uma das primeiras empresárias do Brasil a investir em uma política séria de recursos humanos, focada em gestão de pessoas. Deu supercerto. São mais de 800 lojas instaladas pelo país e uma sólida operação de comércio eletrônico.

 

A rede foi fundada por Luiza Trajano Donato e Pelegrino José Donato, tios da Luiza que conhecemos. Anos atrás, quem se lembra?, ela fez sucesso nas redes sociais depois de participar de uma entrevista no programa “Manhattan Connection”, em que rebateu as críticas feitas por Diogo Mainardi. Para ele, o varejo brasileiro estava em crise. Com toda a elegância, Luiza Trajano foi para cima e disse que o país vivia a “década do varejo” e enviaria os dados corretos ao apresentador.

 

Desde janeiro de 2016, a presidência da rede Magazine Luiza está nas mãos de seu filho, Frederico Trajano, enquanto ela, Luiza, preside o Conselho de Administração da empresa, da qual é acionista, e participa do Grupo Mulheres do Brasil. Além de grande empresária, Luiza Trajano é uma das mais fortes defensoras do empoderamento feminino e da maior participação das mulheres em cargos de comandos em empresas.

 

Realizado pela Editora Referência, o Marketing Best já premiou cerca de 800 cases desde a sua criação, em 1988. O prêmio é considerado uma referência de excelência em marketing. A seguir, a entrevista que Luiza Trajano deu, por e-mail, à reportagem da revista Marketing.

 

Como se sente com o título de Marketing Citizen?

Feliz e honrada, principalmente ao ver o nome das pessoas que já ganharam esse título antes de mim. É um orgulho muito grande ter esse reconhecimento.

 

Além do Marketing Citizen, a senhora foi anunciada como nova integrante do hall da fama do World Retail Congress, maior congresso de varejo do mundo.

É gratificante receber um reconhecimento como esse. Mas sei também que, com isso, minha responsabilidade como brasileira e empresária e como entusiasta do nosso país aumenta e me faz repensar ainda mais o meu papel na sociedade, como colaboradora das mudanças que queremos.

 

Como a senhora vê a entrada da Amazon na rede de varejo? É ameaça para o Magazine Luiza?

Sempre contamos com uma concorrência, isso não é de hoje. Continuamos focados em levar ao nosso cliente uma experiência melhor de compra, e esse sempre será nosso negócio. Nosso desafio continua o mesmo, a velocidade com qualidade. Sabemos que cada vez mais precisamos estar onde e quando o cliente quiser, com os melhores preços, mas isso é um exercício diário.

A senhora pode contar um pouco sobre o Grupo Mulheres do Brasil?

O grupo foi formado em outubro de 2013, com 40 mulheres, quando tivemos uma reunião em Brasília para discutir o Brasil sob o ponto de vista da mulher. Antes da reunião, as mulheres se reuniram em um local para que se apresentassem umas às outras. Foi um momento de grande interação e identidade comum. Surgiu, então, a “cola” no grupo. Após o retorno de Brasília, esse grupo ficou com vontade de repetir o encontro e passou a se reunir mensalmente, de maneira informal. O local do encontro era na própria casa de alguma das participantes ou em uma sala de reunião. Nosso objetivo é ser o maior grupo apartidário do país, que pensa no Brasil como um todo, em um Brasil do bem. Temos muitas boas ações no país que precisam de apoio e outras muito legais que podem ser replicadas. Temos reuniões com agendas propositivas, sempre pensando no bem comum. Criamos comitês com temas que queremos desenvolver e também vamos agregar os trabalhos que já estão sendo bem feitos em cada área. Hoje já somos mais de 13 mil mulheres engajadas, que sabem que precisam cada vez mais participar ativamente de todas as discussões governamentais para construir o país que queremos.

 

 A senhora é uma entusiasta do empoderamento feminino…

Não é de hoje que as mulheres têm ganhado espaço no mercado de trabalho. Nossa representatividade está maior, conquistamos respeito de todos setores, e essas conquistas não vieram do nada, representam muito esforço. O Brasil está amadurecendo para isso. Recentemente, o Grupo Mulheres do Brasil aprovou no Senado cotas para Conselhos de Administração, e este é um passo importante para aumentarmos o empoderamento feminino.

 

Qual foi o resultado da última campanha promovida pela marca, a que vendia uma colher contrariando o ditado popular de que em briga de marido e mulher não se mete a colher?

Quisemos passar uma mensagem clara sobre a violência contra as mulheres, e acredito que conseguimos. A ação alcançou nossos clientes das lojas físicas e do site. A colher especial continha os dizeres: “Em briga de marido e mulher, tem de meter a colher, sim. Ligue 180 e denuncie”. Cada colher custava R$ 1,80, uma referência ao número de denúncia para casos de violência contra as mulheres, o Ligue 180. O dinheiro arrecadado com a venda foi revertido a duas entidades: Instituto Patrícia Galvão, uma organização social que desde 2001 trabalha pela garantia do
direito das mulheres de viver sem violência, e a rede colaborativa Mete a Colher, que funciona por meio de um aplicativo mobile, que conecta mulheres vítimas de violência com outras que podem oferecer apoio. O Magazine Luiza já tem um histórico de engajamento nessa luta. Há nove meses lançou uma iniciativa interna para reduzir os casos de violência contra a mulher entre suas mais de 11 mil funcionárias. Elas têm acesso ao Canal da Mulher, um sistema de denúncia, cuja função é apoiar as funcionárias expostas a esse tipo de violência.

 

Como a senhora está vendo o momento atual do país, os caminhos da economia?

Vivemos uma longa crise, mas aos poucos a economia dá sinais de melhoras, e temos a expectativa de separar a política da economia, o que será fantástico, pois não dá para a população pagar com emprego o custo de uma crise política.

 

Essa situação prejudica a rede de varejo?

Toda a crise atrapalha o varejo, mas o principal problema é o desemprego. Com a retomada gradativa da economia, nós esperamos que o número de empregos cresça.

 

A “revolução digital” que o Magazine Luiza fez ajudou
nos negócios?

Sim, mas foi extremamente planejada, desde a década de 1990, quando criamos lojas digitais; e depois, quando entendemos que não deveríamos separar a operação online das lojas físicas, pois assim seria o futuro, que chegou. Mas é um assunto que nós, e todos que desejam se manter no mercado, devemos olhar atentamente e acompanhar a revolução digital, que não termina. 

  

Há dois anos, a senhora passou o bastão da empresa para
seu filho, Frederico Trajano.
Como avalia a atuação dele?

Dá Ibope falar que a transição foi minha para o meu filho,
mas, na verdade, nós planejamos uma transição quando eu era a presidente e o CEO era o Marcelo Silva, que ficou seis anos na empresa e realizou a transição para quem fosse assumir após várias etapas e análises. Estou tranquila de ver a nova geração que está assumindo o Magazine Luiza, seu comprometimento com a nossa cultura e o seu projeto para levar a empresa aos cem anos, valorizando e digitalizando toda a equipe. Tudo foi sendo realizado de forma muito natural e gradual.

 

O que mudou na sua rotina?

É uma mudança de ciclo. Estou dedicada e com muita atenção ao que tem sido feito no Magazine Luiza. E graças ao tempo de não precisar me dedicar à rotina do varejo, que é muito grande, tenho conseguido me dedicar a projetos como o Grupo Mulheres do Brasil.

  

O Magazine Luiza pretende abrir mais lojas este ano?

Sim, a nossa expansão com lojas físicas é crescente, foram 60 novas lojas no ano passado e pelo menos o mesmo número de inaugurações deverá ocorrer neste ano.

 

O que tem a dizer sobre a situação do Rio de Janeiro?

É preciso uma grande mobilização para recuperar o nosso cartão-postal. O Rio de Janeiro atrai a atenção do mundo inteiro, e é preciso que a sociedade civil participe ativamente para a solução dos graves problemas de segurança enfrentados lá e em outros estados, e não ficarmos esperando uma solução dos governantes.

 

Gostaria, se possível, que a senhora comentasse também
a situação política do país.
Este ano é eleitoral. Está otimista com o que está se apresentando no quadro político nacional?

Teremos um ano bastante intenso no Brasil, com eleições presidenciais, discussões de reformas e outros assuntos que são emergentes em nosso país. Estou com uma agenda bastante voltada para a colaboração nessas discussões, além de todo o trabalho como presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza. Temos de manter o otimismo e lutar pelo Brasil que nós queremos. Sempre serei uma otimista, apaixonada e ativista pelo nosso país.

 

É  verdade que é no chão da loja que as coisas ocorrem?

Toda empresa depende  
de uma venda, seja uma indústria, uma agência de viagem, uma seguradora ou qualquer segmento. Por isso, a atenção de todas deve estar voltada para o local onde é realizada essa venda, onde existe a interação entre a empresa e o cliente. Esse é o local mais importante, que deve ser o objeto principal de atenção de todos que trabalham em qualquer área da empresa.

 

O que mais ajudou a senhora a transformar o Magazine Luiza num case de sucesso?

Ninguém faz nada sozinho, é preciso entusiasmar as pessoas para uma causa, e no Magazine Luiza, o que ajudou a nos transformar em um case foi o fato de valorizarmos as pessoas, equipe e clientes, com inovação e criatividade.