André Lima assumiu recentemente a posição de co-CEO da NBS, mantendo a de CCO. Ele – que está na agência desde a sua fundação, há 17 anos – divide a gestão da NBS com Roberto Tourinho, uma pessoa que, segundo ele, é seu exato oposto e, portanto, ideal complementar. Neste bate-papo, falamos um bocado de gestão e liderança, bem como de adaptabilidade e propósito, temas que o mobilizam muito. 

 

E de simplicidade. Para Lima, as coisas simples são as mais lindas, e passam a falsa impressão de que são fáceis. Procurando ao máximo fugir dos clichês – nem sempre conseguindo, porque eles estão incorporados ao mundo corporativo -, André costuma dizer que o bom gestor tem de, antes de tudo, gostar de pessoas. E revela que sua atuação como gestor deu um salto qualitativo quando ele aprendeu, de fato, a ouvir.

 

Conte como mudou sua vida e como você se adaptou às mudanças na gestão da NBS.

Sem dúvida participo de mais reuniões do que antes, sendo que, de alguma forma, eu já fazia parte das decisões de gestão da agência para além da área de criação. O que muda realmente é que, nas reuniões em que eu atuava como mais um, tenho de resolver. Isso me torna mais agudo, mais objetivo. Costumo ser mais sinuoso, mas a função me obriga a ter mais linhas retas. Eu e o Roberto Tourinho (copresidente) definimos, juntos, um novo modelo de governança. Essa parte, da coliderança é fácil. Nossos backgrounds, histórias de vida, visões, são muito complementares. Na verdade, ele não sabe fazer o que eu sei, e vice-versa. Fizemos alguns testes de acessment e estamos em quadrantes opostos. Parece que alguém desenhou a complementaridade.

 

Então com certeza não dá conflito.

O que evita conflitos são acordos claros. Acordo claro é o básico para qualquer tipo e modelo de relação profissional. Acordo claro e checagem, se ambos estão cumprindo o acordo, e com espaço para rediscutir o acordo numa base que continue confortável. O que implementamos de novidade foi o seguinte. Temos uma reunião de board semanal, com dois assuntos e 45 minutos por assunto. Estabelecemos assim porque o assunto tem de ser resolvido. E a coisa mais cansativa é uma reunião que acaba marcando outra reunião. Por isso, de alguma forma, a falta de tempo traz a obrigação de uma gestão mais apurada e mais precisa. A ideia de ficar uma hora e meia numa reunião que no final gera a marcação de uma outra, é inviável. Além de eu não gostar, não cabe na agenda.

E que desafios surgiram nessa transição de gestão?

Estamos desmontando alguns modelos, remontando outros. Mas estamos avançando bem. Estamos fazendo algo que sempre quisemos fazer, e na verdade isso não tem nada a ver com a gestão anterior, pois o Cyd (Alvarez) já estava empenhado nisso, mas agora a ideia ganhou mais tração, que é ter uma autonomia maior dos nossos vice-presidentes. Para que, de verdade, eles possam ocupar o espaço da vice-presidência. Dois VPs respondem ao Roberto, dois respondem a mim, tecnicamente, e os quatro respondem a ambos do ponto de vista da governança final, mas com maior autonomia. Daqui para frente, e não é uma questão circunstanciada por essa crise brasileira, a tendência normal do negócio da comunicação é trabalhar com menos gente do que trabalhávamos antes – então a sensação de que se está fazendo um pouco mais do que antes é verdadeira.

 

Organizar o seu dia, que continua com a mesma quantidade de horas, os problemas aumentando e particularmente a quantidade de coisas a fazer, envolve um outro tipo de organização, de disciplina para cada um e de reforço de ampliação das áreas de autonomia. Pessoas sem autonomia não funcionam, bem como sem liderança clara. Autonomia é algo que todo mundo clama, pede, mas se você a entrega, plena, as pessoas se apavoram. Liberdade é algo muito assustador.

 

É preciso clareza para indicar para onde se está apontando, o objetivo futuro, e muitas dúvidas no “como”. Como a autonomia vai ser concedida. Não quero que façam como eu faria. Agora “o que” é uma decisão empresarial, que com board temos a chance de decidir, mas o “como” é a etapa seguinte. Então o objetivo é dar autonomia, entendendo que autonomia não significa ausência de liderança. Porque autonomia sem liderança é só terceirização de problemas, e flertar com o caos. Hoje em dia o mundo caminhou muito para a conversa da autonomia, saudavelmente, mas em muitos casos eu vejo que o discurso da autonomia é só uma forma de envelopar uma falta de clareza de propósito.

Por exemplo?

Aquele velho ‘faz do seu jeito’. Porque o discurso corporativo é cheio de armadilhas. Toda vez que acontece algo, começa como uma tendência, depois ela vai se confirmando e só então se consolida.

 

Quando se consolida é preciso ter muito cuidado. Porque em geral em corporações vivem muito de discurso – que eu considero importantes, claro. Mas esses termos – autonomia, resiliência e reestruturação – ficam tão vulgares depois de um tempo que não se sabe mais do que se está falando.

 

Falo isso com a tranquilidade de quem faz parte de uma corporação, mas que mantém muitas reservas em relação ao mundo corporativo, porque o mundo corporativo tem muito espaço para acomodar as incompetências, várias, e perder produtividade e um monte de coisas importantes em nome da corporação. Uma agência de propaganda nem é uma corporação no sentido clássico, pois tem uma estratificação menor, não tem uma quantidade gigante de funcionários, mal ou bem os ambientes são de uma certa informalidade nas trocas, e isso acaba derrubando um pouquinho essas paredes. Corporação é um bicho perigoso, e é preciso tomar cuidado para que ela não fique maior do que seu objetivo final verdadeiro, que podemos chamar também de propósito, missão.

 

Que outros riscos existem na gestão de um negócio aos quais gestores como você têm de estar atentos?

Creio que há dois grandes riscos na gestão de qualquer negócio, mas posso falar do meu, porque é aquele em que tenho experiência. Um é o que a corporação está a serviço do seu propósito e não ao contrário. Tudo tem de estar a serviço da missão e não adequar a missão ao que a corporação determinou para você. A segunda é que o propósito tem de estar acima das circunstâncias. Pressão financeira, dos clientes, mudança de olhar do mercado, uma tecnologia nova, uma mudança de comportamento do consumidor.

 

E nesse momento estamos vendo tudo isso acontecendo, ao mesmo tempo.

Simultaneamente e com intensidade. Por isso que é importante parar, entender as circunstâncias, saber que fará algumas alterações pelas circunstâncias, mas o seu grande propósito tem de ser preservado. Porque as circunstâncias vão mudar. Hoje são essas. Daqui a seis meses, algumas vão permanecer, outras serão modificadas, mas sempre haverá um monte de coisas te empurrando para o lado. Fazendo você sair da rota que traçou. Adaptabilidade é fundamental no nosso negócio. Significa você conseguir contemplar algumas das circunstâncias, mas não mudar o seu propósito por causa de uma circunstância. Você está no mundo para quê? A sua empresa existe para quê? Isso tem de ser algo quase intocado. Você pode mudar muito esse como. Por exemplo: a frase que eu usava para definir para que a NBS existia há 17 anos, é exatamente a mesma que eu uso hoje.

 

Que é?

A NBS existe para construir relações emocionais profundas entre pessoas e marcas, e transformar essas relações emocionais em negócio para o cliente. É o que a gente fazia antigamente, com propaganda. Essa frase tem 17 anos, e temos perseguido essa missão de lá para cá. O que muda? Muda o ‘como’. Hoje quando descrevemos nossas capabilities, propaganda, inventar um novo negócio, inventar um produto novo, fazer PR, fazer conteúdo, branded content, não importa. O problema vai determinar o tipo de solução. E, no fim do dia, a gente está fazendo a mesma coisa. E como fazer tudo isso de maneira simples? Aliás, as coisas simples são as mais lindas, e passam uma falsa impressão de que são fáceis. Coisas simples são muito difíceis. É o maior luxo, e a coisa mais difícil.

 

O nome da agência – No Bullshit – chama essa simplicidade, certo?

Exatamente. É um compromisso. A gente não pode perder tempo com coisas que não servem para nada.
Precisamos nos concentrar no que importa. E o que importa para gente é isso: construir relações que resultem em dinheiro.

Como fazemos isso? De duas maneiras. Tendo um conhecimento muito grande do ambiente de negócio do cliente. Se eu estou falando de telefonia, vou entender bastante desse universo. Se for de games para celular, vou entender a ponto de poder ter uma interlocução de nível alto com as pessoas de produto dos meus clientes. Essa é uma das bases da agência. A outra é uma curiosidade eterna sobre comportamento humano, tensões humanas e do que faz as pessoas ficarem encantadas com as coisas.

 

Essa é a segunda perna. No cruzamento disso, com conhecimento do ambiente de negócio e das emoções humanas, a gente aplica estratégia, data e criatividade. A fórmula é fácil, mas exercitar isso é dificílimo, porque tem, o tempo inteiro, distrações no nosso caminho.

 

Uma retração de verba, uma competitividade exagerada e às vezes não muito leal no nosso negócio, às vezes o próprio comportamento dos clientes, que por não saberem se comportar num ambiente competitivo também produzem coisas pouco louváveis, há muita distração sempre, e você precisa ficar agarrado com o que é importante, e com o que você se comprometeu a fazer para criar o negócio mágico que é a cultura, que não é um discurso.

 

Ela começa com o discurso, uma frase, uma intenção, mas é a soma de várias pequenas coisas. Temos muitas coisas para fazer sempre, ao longo do dia. Qualquer pessoa na agência, independentemente do cargo, precisa tomar um monte de decisões. Desde definir um caminho que vai ser apresentado para o cliente, a se a gente vai entrar numa concorrência ou não, abrir mão de uma conta ou não, contratar alguém, desligar alguém, até se um fundo é amarelo ou azul.

 

A cultura nada mais é do que um conjunto de coisinhas que fazem você decidir com mais facilidade um caminho em relação a outro. Quanto mais consolidada a cultura, menos tempo e dor você gasta em tomadas de decisão. Aí o negócio anda. O fluxo avança. Se tiver de parar para fazer um concílio a cada decisão, a gente não trabalha. A cultura dá uma espécie de voz surda pairando, que aponta para você que, entre A e B, é B.

 

Imagino que independentemente da missão que manteve, a agência em si tenha se transformado muito, especialmente para um grupo como a Dentsu. Como foi isso?

Mudou muito. A NBS teve alguns momentos. Ela foi fundada, teve uma história de crescimento muito intenso, a gente representava – e é claro que ainda representa, mas o tempo vai modificando isso – uma coisa nova, um discurso novo, uma ruptura (outra palavra chatinha em ambientes corporativos).

 

Nosso primeiro momento de transição foi quando fundimos com a Quê?, em 2013. Naquele momento nos tornamos uma agência muito grande, com 400 funcionários, ocupamos o sexto lugar no ranking. Foi o primeiro choque de cultura, porque, embora fizessem parte do mesmo grupo, NBS e Quê? eram empresas com histórias diferentes.

 

Estávamos nos acomodando com esse choque de cultura quando veio outro, com a venda para Dentsu Inc. A parte boa é que nos preparamos para isso. Acho que outra coisa importante também em gestão é a tentativa de antecipar as coisas. Você tem de prever cenários. Para não ser pego tão de surpresa pelos fatos. Estávamos preparados e sabíamos que seria um choque de culturas.

Era uma agência completamente independente. Tocada por sócios brasileiros que faziam as coisas do jeito que queriam, na hora que queriam. Passamos a fazer parte de um grupo multinacional, que tem um outro grupo de regras, modelos e formatos. O que nos ajudava? A gente tinha uma cultura muito definida tanto no jeito de trabalhar quanto em processos. A gente antecipava um pouco o que ia acontecer. E foi um movimento muito pensado, tínhamos a clareza naquela época e a certeza hoje que o lugar para onde a comunicação ia caminhar seria difícil manter a competitividade permanecendo independentes.

 

São muito recursos requisitados hoje para fazer um trabalho bom de comunicação. A gente não tem como trazer tudo para dentro. Conversamos com praticamente todos os grupos, havia poucas agências independentes na época e estávamos num momento excelente e escolhemos a Dentsu pela capacidade que o grupo tinha de ter muita potência em mídia e em tecnologia.

 

Tínhamos uma complementaridade: muito domínio de estratégia, narrativa, contar histórias, compreender o negócio dos clientes. Mas havia um gigantesco mundo de tecnologia para o qual já estávamos caminhando, mas ia demorar um pouco mais para ter os recursos. De todos os grupos, o Dentsu pareceu estar mais avançado nisso.
E hoje temos certeza disso. Até porque o grupo tem uma maneira de trabalhar juntando várias empresas.
Que não competem entre elas, mas podem formar uma espécie de federação de acordo com o trabalho. Hoje fazemos muito isso, usamos diversas empresas do grupo em complementaridade. Se fôssemos internalizar tudo que precisamos teríamos de ocupar o prédio inteiro por conta da quantidade de gente.

 

E parece um caminho sem volta, esse de trabalhar em cooperação.

Sim, a largada hoje já é muito pedalada, tem muita coisa envolvida. Qualquer pequeno trabalho envolve uma quantidade muito grande de conhecimentos somados. Então tentar fazer isso tudo para dentro, de maneira isolada e independente, não é viável. Temos muita coisa aqui dentro: área de dados montada, pesquisa de mídia, tudo. Mas não temos, por exemplo, performance. Nisso trabalhamos muito em conjunto com o grupo. Para clusterização tem a Navegue, que é uma empresa incrível. Temos nosso setting de ferramentas suficientemente forte para dar conta do atendimento das contas, mas quando precisa fazer uma prospecção, ou pegar algum momento específico do cliente, que está com alguma necessidade específica, podemos envolver outras empresas e experiências do grupo, e o negócio todo floresce e fica mais bacana.

 

Mudanças ocorreram para o bem e para o mal, certo? O que foi pior, se é que se pode usar o termo neste caso?

Mal é um termo muito pesado. Claro que complexificou, há uma cultura natural de reportar a um grupo que tem obrigações em bolsa, centralizado em outros centros financeiros. É natural e sabíamos que seria assim.

 

Tem o fantasma das fusões entre empresas?

Faz parte do jogo, e ultimamente tem ocorrido uma aceleração do tema. Fomos muito claros no começo e demoramos a fechar o negócio porque queríamos escolher o parceiro certo em termos de capacitação e montar um modelo que garantisse para a gente uma coisa que, quem é empreendedor, precisa tanto quanto oxigênio, que é gestão. A sua autonomia de gestão. Temos um report grande para o grupo de alguns temas pré-combinados, mas na gestão do dia a dia conseguimos preservar alguma autonomia – o que é bom para gente, para os nossos clientes e para o grupo. Se o grupo fosse fazer a microgestão de cada operação não ia funcionar.  Se há uma parte não tão boa é a natural necessidade de ter mais mecanismos de controle e de report, que faz parte do desenho da organização, do qual não se pode fugir. Não é privilégio nosso, é assim em qualquer organização com esse modelo. Pesamos na balança e a condição era menos grave do que os benefícios que viriam. Não nos arrependemos do movimento que fizemos.

 

Hoje há um modelo de agência que funciona para você?

No início dos anos 2000, no Brasil, começou a ganhar força o então chamado digital, que hoje é meio patético e me sinto um velho falando “digital”. Mas começou a haver mais dinheiro envolvido nisso, e as agências ficaram bastante confusas.

 

Acho que um dos erros que houve naquela época, nos primeiros cinco anos, entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, foi tentar imaginar qual seria o novo modelo que substituiria o modelo antigo. Se gastou muita energia e tempo perseguindo ‘o modelo novo’.

 

Porque no Brasil ficamos 40 anos com o mesmo modelo. Todas as engrenagens montadas, girando, com maior eficiência aqui, menor ali. Todas muito parecidas. Tanto que se contratava alguém de outra agência, quase não havia preparação. O que era um erro. As pessoas simplesmente começavam a trabalhar no dia seguinte.

 

O erro foi não entender que não haveria ‘um novo modelo’.  Vai haver uma soma de várias coisas: desde a composição de receita, que tem várias modalidades, até o tipo de trabalho que se faz para cada cliente. O que há hoje de interessante é que com os recursos todos, da tecnologia, o ferramental, as agências podem voltar a se dedicar ao problema, em vez de se dedicar a uma solução pré-pronta.

 

Hoje tenho tantos recursos que posso perguntar: qual é a sua dor? O que de verdade é o problema da sua marca, do seu negócio? A partir dali olhar o meu repertório de coisas e imaginar soluções que vão fazer sentido só para você. Se por um lado houve certa aflição de ‘queda de modelo’, por outro, quem conseguiu sobreviver e se adaptou, hoje tem condições de fazer um trabalho de diagnóstico e proposta de solução muito mais precisa do que antes.

 

Então o modelo hoje é aceitar a constante mudança. Usamos muito uma frase que veio do grupo que é: ‘ou você é uma startup ou você está se transformando e precisa ter sangue frio e serenidade e não se desesperar com a condição de eterna mudança’.

 

E entender que se você preservar os seus mecanismos de gestão, sua visão clara e o seu propósito intocáveis, essa dor da impermanência vai te incomodar muito menos. As empresas continuam precisando ganhar dinheiro, felizmente para a sociedade não podem mais ganhar dinheiro a qualquer custo, então a consciência do papel das empresas aumenta, o que também aumenta a responsabilidade das agências que cuidam das marcas. A mentira hoje é uma coisa muito pouco permitida, e isso é uma coisa maravilhosa. Uma delícia. Foi uma libertação.

 

Abriu-se o verbo sobre a mentira, ela entrou em discussão?

Exatamente. Se por um lado há certa tensão de não saber o que é o modelo, fico aliviado que os clientes não me pedem para mentir, porque a mentira não é possível. Antigamente já não era recomendável, porque em algum momento ia aparecer, só que hoje aparece de manhã para de tarde. Não se pode mais discursar uma coisa e fazer outra. Acabou a época dos speeches que não se estruturavam em nenhum tipo de entrega. Esse mundo em que entramos, em que ‘a verdade tem de ser servida no café da manhã’ é uma condição de existência para as empresas.

 

A verdade tantas vezes é dura de admitir.

Quase sempre é. Por isso fazemos muita terapia. Para mim, isso renovou meu interesse por trabalhar em comunicação. Ao mesmo tempo em que há instabilidade, estar ao lado de empresas que não podem se esconder debaixo de mau serviço e histórias, me alegra. Faz com que meu trabalho de recomendar coisas firmes e sólidas seja apoiado por uma questão financeira. Antigamente você tinha de encontrar um diretor de marketing que tivesse os valores muito constituídos para poder aplicar isso numa empresa. As pessoas faziam mais preocupadas com a sua consciência do que com o negócio. Hoje não. A única linguagem que o capitalismo entende é a do dinheiro. Esse universo permitiu que nosso braço de social marketing pudesse crescer. No mundo antigo ia ser mais difícil. Dependeria de pessoas visionárias ou bem-intencionadas. As questões da verdade, dos valores, do social marketing, entraram primeiro na agenda dos CEOs das empresas, para descer para os CMOs. Qualquer CEO é cobrado por isso, e agora os CMOs também estão sendo. Assim, a engrenagem vai andar. Porque mexe na capacidade estruturante do business e não apenas na embalagem que vai para o consumo externo. Temos muito o que percorrer ainda. Mas estamos avançando.

 

E com isso também as marcas vêm trilhando novos caminhos, neste admirável mundo novo.

Eu acho que as marcas podem e devem fazer parte dos processos grandes de transformação do mundo. Isso é outro avanço gigante. Há muitas perdas, e muitos ganhos. Um dos principais ganhos é que as grandes marcas já entenderam que têm de fazer parte dos processos de transformação. Porque o consumidor, as pessoas estão cobrando isso das marcas. Hoje vivemos em um mundo que tem muito mais categorias de produtos do que precisamos. Há muito mais marcas do que precisamos. Como se diferenciar? A tecnologia permite a cópia num espaço muito curto. É muito difícil você ser pioneiro e é mais difícil ainda se manter inédito, único. O espaço de diferenciação está em criar coisas que tornem a vida melhor. Uma área em que nós temos capacidade incrível de ajudar. Temos essa capacidade de olhar para gente. Olhar para as pessoas. Uma parte boa de trabalhar com tantas expertises é que quase nenhuma ideia se perde. Se eu tenho uma ideia de um negócio, por exemplo, até tenho um limite de onde posso ir, mas posso acionar uma empresa do grupo para me ajudar a modelar a ideia, e levá-la para o cliente com respaldo de economics.

 

E como é não ter todas as respostas neste cenário?

Foi divertidíssimo viver em um mundo em que as coisas eram mais simples. Mas se você me perguntar se tenho saudades, não tenho. O meu tempo hoje é outro. Esse tempo aí de dúvida, confusão, caos. A ideia de ficar plugado a algo que passou, com um tipo de saudosismo que corrói o fígado não tem nada a ver comigo. Passou, temos
de avançar.

Sobre perguntas e respostas, tenho uma característica: não entro em pânico. Não perco a serenidade. A maior parte das perguntas só quer alguém para ouvi-las, não demanda uma resposta. É preciso desmontar a onipotência da fantasia de que se tem resposta para tudo. Aceite isso, a vida ficará melhor. É preciso ter uma capacidade muito grande de se remontar durante o processo. A adaptabilidade tem de ocorrer ao longo dos processos.

 

Mas como ter essa serenidade?

Não sei se é treinável. Mas conta muito a confiança que tenho nas pessoas. Eu confio muito em quem trabalha comigo. Tenho enorme confiança de que, para muitas das perguntas para as quais não tenho resposta, alguém da minha equipe saberá. E, se não souber a resposta, vai saber fazer alguma outra pergunta que vai ajudar a chegar um pouco mais próximo da resposta. Até porque não existe mais a fantasia de “a resposta”, “the one”, caminhar próximo dela já é o suficiente, às vezes. 

 

Você acha que ser criativo ajuda a ser um bom gestor?

Acho que a liderança de agência precisa gostar de gente. Gente que se dá ao trabalho de entender a emoção humana, que é ela que movimenta o nosso negócio. Há alguns potencialmente excelentes gestores que não
são de criação, mas que podem ser espetaculares gestores de propaganda, porque têm a perspectiva criativa, embora não saibam produzir material criativo. Não trabalham com isso como ofício, mas entendem que a criatividade
é uma alavanca de transformação de pessoas e de negócios. Quem tem isso claro e se dá ao trabalho de entender o ser humano, já tem uma boa largada para liderar agências nesse futuro caótico, nesse presente incerto que
a gente vive. Por outro lado, só a capacidade de pensar criativamente não garante tudo. Gestão é um negócio trabalhoso.

 

Você aprendeu na marra?

Aprendi errando e sofrendo. Sofrendo muito com os erros e tentando desesperadamente não cometer os mesmos erros. Estou aberto a erros novos. Repetir erros me dá muita aflição. Porque ainda vou errar muito. Aqui na agência houve algum investimento em assesment, empresas de fora.

 

Tenho uma pequena base vinda daí, mas é um exercício diário, contínuo. Ele não tem necessariamente a ver com a sua capacidade criativa. Um ótimo criativo sequer se tem a certeza de que será um bom diretor de criação. Atrapalha um pouco a ideia, hoje antiga, de que o melhor criativo do time vira diretor de criação, o melhor diretor de criação vira diretor-geral de criação, e se for muito bom pode ser CCO, CEO, VV.

 

Como se houvesse uma escadinha de talento criativo impulsionando para cima. Está errado. E leva a diretores de criação sem qualquer capacidade de liderar equipes por inspiração, pessoas déspotas, que sufocam o crescimento do outro, que disputam criativamente com as suas equipes. Isso não é tão visível do lado de fora, mas para a agência é uma perda gigante.

 

Perde-se dinheiro. Talentos escapam, processos são mais dolorosos do que o necessário, você refaz trabalho, é um ciclo muito ruim. O gestor tem de estar atento à sua equipe primária e à interação da sua equipe com outras equipes. A coisa que mais treinei foi a audição.

 

No passado, no início da minha carreira de gestor, talvez eu me apoiasse mais na capacidade verbal para dar boas respostas. Porque eu tenho treino para isso. Treino de criativo. Mas a maior parte das vezes eu acho que as pessoas querem ser ouvidas. Não querem uma resposta. Dar atenção, mantendo contato visual e ouvindo, é mais importante. A resposta talvez venha dois dias depois, ou nunca. Quando entendi isso, dei um salto qualitativo. Tornei-me um gestor melhor, mais atento à pergunta e menos preocupado com a minha resposta.